quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Rolling Stones recuperam o prazer de criar no ótimo 'hackney Diamonds'

Na recente entrevista que concederam ao programa ""Fantástico", da TV Globo, Mick Jagger e Keith Richards falaram bastante a respeito do tempo, um "conceito" que está muito presente na vida dos dois nos últimos anos e que permeia quase todas as músicas do novo álbum dos Rolling Stones, "Hackney Diamonds", que está nas plataformas digitais.

Os dois são octogenários - Richards chega aos 80 em dezembro - e brincaram na entrevista sobre o longo processo de composição e gravação: "Estamos mais preguiçosos", disse o vocalista dos Stones; "tivemos de nos submeter á s angústia e ansiedades de Mick", zombou o guitarrista.

Além do tempo, uma coisa em comum nas declarações dos dois músicos foi a importância crucial que Jagger desempenhou no processo de "Hackney Diamonds": ele foi o fio condutor e a força motriz, sendo que tudo foi feito ao tempo dele, incluindo uma pandemia mundial de covid-19 no meio e a morte do ícone Charlie Watts em 2021, o baterista que ocupou o posto por 58 anos.

Nos longos mais de três anos de composição, gravação e lançamento, os Rolling Stones esbarraram em diversas dúvidas, e todas relacionadas ao tempo e a continuidade. "Somos uma velha banda de blues.  Será que ainda querem ouvir uma banda desse tipo hoje em dia?", perguntou Richards em recente entrevista à BBC.

A resposta demorou um pouquinho, mas veio nos dois primeiros singles do álbum, canções que nada trouxeram de novo ou inovador, mas que injetou ânimo nos fãs por causa de um detalhe: a banda e seus convidados entraram com vontade no estúdio, e gravaram 12 canções que formam um conjunto equilibrado e inspirado. "Hackney Diamonds" é muito bom, bem melhor do que o irregular "A Bigger Bang", de 2005, e do fraco "Bridges to Babylon", de 1998.

"Hackney Diamonds" demoliu aas verdades despejadas por Mick Jagger nos últimos anos, principalmente aquela que vaticinava não haver sentido em compor e lançar novas músicas. 

Ele começou a mudar de ideia quando o single "Living in a Ghost Town", de 2020, foi muito be recebido por abordar o isolamento social da pandemia com leveza e sarcasmo, mas sem deixar a crítica política de lado.

A morte de Watts reforçou a mudança de convicções, e o novo trabalho serviu também como a homenagem ao baterista que sustentou o ritmo por quase seis décadas e era face da elegância artística do grupo. 

Em meio a suas angústias e ansiedades, Jagger decidiu que era tempo de mostrar que o Stones estavam muito vivos após 60 anos e 18 sem disco novo de músicas inéditas. E aqui aparece novamenet a importância do tempo como conceito invisível de um novo álbum dos Stones. O acerto foi total e todo mundo entrou motivado no estúdio.

"Angry", que abre o disco e que foi o primeiro single, já transbordava alto astral e descontração, algo perceptível nas primeiras notas. É uma música que remete ao começo dos aos 80, com uma sonoridade ensolarada resgatada dos tempos do disco "Tattoo You". 

Jagger confirmou ao "Fantástico" que eles voltaram ao estúdio sem pressão, mais eleves e dispostos a recuperar uma certa satisfação em criar e se divertir no estúdio. Não se trata de fazer algo descompromissado, mas de valorizar a descontração no ambiente, algo que já tinha ocorrido em "Blue nd Lonesome", o ótimo disco da banda com versões para grandes clássicos do blues.

Richars e Jagger louvaram a presença do jovem produtor Andrew Watt, guitarrista de qualidade que jp tocou na banda California Breed, com o baixista e vocalista Glenn Hughes, e que também produziu o ótimo álbum "Patient Nº 9", de Ozzy Osbourne. 

Segundo os líderes dos Stones, Watt captou bem, e de imediato, o que banda queria e o "timing" de gravação e o "climão" de descontração. "Angry" esbanja jovialidade em cima dos riffs de guitarra de Richards e Ron Wood, enquanto a batida certeira e precisa do baterista Steve Jordan recria os bons momentos dos anos 80.

"Sweet Sounds of Heaven", o segundo single, foi devidamente destrinchada em seu lançamento por conta da alta qualidade e das participações estelares de Lady Gaga e Stevie Wonder. É um blues gospel épico, que valoriza cada nota e transpira emoção em todos os suspiros de Jagger. É a grande canção do álbum.
 
Com o luxuoso baixo de Paul McCartney, "Bite My Head Off" retoma a jovialidade e o frescor de "Angry", so que em um rockão acelerado e vigoroso, em uma tentativa de emular a força que Stone e Beatles emanavam nos anos 60. 

"Get Close" é sinônimo de suingue, daquelas canções edificantes que fizeram de "Sticky Fingers" (1971) e "Exile on Main Street" (1972) duas obras-primas do nosso tempo. O balanço é contagiante, assim como o solo magistral de saxofone.

A balada country "Depending on You" destoa um pouco, quebrado clima alto astral, embora não seja uma canção ruim. Ainda bem que os rumos são retomados em "Bite My Head Off" e na sacana "Whole Wide World", com seu refrão muito bom e estimulante que parece ter saído "direto das sessões de "Tattoo You".

"Dreamy Skies", um country blues movido a violões, é uma pequena escorregada, quebrando novamente o clima na tentativa de repetir o esquema de "I Got te Silver", boa música do ótimo "Beggar's Banquet", do 1968, canta por Richards, ou de "Far Away Eyes", do disco "Some Girls",  de 1978. A banda quis mostrar variação e versatilidade, mas essa se tornou desnecessária.

Resultado melhor tiveram com a interessante "Tell Me Straight", a única cantada por Richards entre as 12 canções, um tema que é uma balada blues mais vigorosa e acessível que tem suas raízes na carreira solo do guitarrista. É um tema coadjuvante, mas bastante agradável e que funciona mais do que as duas músicas de teor country.

O álbum ainda tem "Live By the Sword", m boogie mais pesado com um vocal sensacional de Jagger, com arranjos interessantes de piano, e a boa "Driving me Too Hard", com sua introdução copiada de "Tumbling Dice", de "Exile on Main Street", e uma condução brilhante de duas guitarras, desembocando em uma canção de ares setentistas. 

"Mess It Up", menos inspirada, é rápida e festeira, mas que fica ofuscada com tantas outras canções boas. Para encerrar, uma homenagem ao blues e á própria banda: "Rolling Stone Blues", voz e violão, ao melhor estilo Robert Johnson (bluesman mítico dos anos 30).

Algumas resenhas dão conta de que os Rolling Stones precisavam desse álbum para dizer que inda sã relevantes em um tempo em que a música ficou supérflua e sem valor agregado. Acho muita pretensão querer colar um rótulo de tamanha responsabilidade na maior de todas as banda de rock.

Os Stones precisavam recuperar o prazer de criar novas canções, e "Hackney Diamonds" fez mais do que isso ao permitir que eles tocassem d forma descontraída e curtissem as canções que resumem bem os 61 anos de atividade. 

Na verdade, eles deviam a si mesmos um álbum como esse, e mais ainda a Charlie Watts, o baterista que tanto simbolizou o ritmo da banda e que tocou em apenas duas canções, já que morreu em 2021. "Eu sinto falta de Charlie todos os dias", declarou nesta semana Keith Richards. O novo disco só aumenta a saudade, mas também dignifica as seis décadas de música da melhor qualidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário