terça-feira, 13 de outubro de 2020

Os 55 anos dos Small Faces, a banda mod por excelência


Marcelo Moreira 

A verdadeira banda mod. Assim os Small faces são conhecidos na sua Inglaterra até hoje, por mais que The Who e The Kinks também tenham surfado na onda rock básico encharcado de blues e rhythm asnd blues para embalar a galera mais "descolada" de Londres e arredores, em contraposição aos rockers, que ainda estavam vinculados ao "ultrapassado" rockabilly norte-americano, lastreado em astros da década anterior.

Nesta semana, em plena quarentena imposta pelo covid 19-coronavírus em vários países, o baterista Kenney Jones, de 71 anos, foi surpreendido em um papo com fãs nas redes sociais sobre o que ele faria para marcar os 55 anos de surgimento dos Small Faces.

"Nem me dei contam, até porque estou sozinho. Mas alguma coisa vai acontecer, tem de acontecer", respondeu o músico com brilho nos olhos na live que fez em seguida.

Quando ele diz que está sozinho, ele se refere aos outros integrantes da formação clássica, todos mortos - Ian McLagan (teclados, 1945-2014), Steve Marriott (vocais e guitarra, 1947-1991) e Ronnie Lane (baixo, 1946-1998).

Os Small Faces eram uma banda improvável que sobreviveu na selva musical de Londres dos anos 60, onde a concorrência era absurda e predatória. Assim como Kinks e Who, nada tinha a ver com a tribo dos mods, a galera proletária, em sua maioria, que gostava de se vestir bem e ouvir a então emergente música negra norte-americana do triênio 1963-1965.

No entanto, aproveitando o embalo, foram os que mais se identificaram com esse pessoal e mergulharam na subcultura, o que acarretou problemas no futuro para se desvincular da imagem mod - sendo um dos ingredientes que implodiram o grupo no final da década.

Neste aspecto, Who e Kinks foram visionários ao aproveitar um pouco a subcultura, mas pulando fora no tempo exato para ampliar o público e expandir horizontes.

Nada disso, no entanto, importava em 1965, quando o aspirante a baixista Ronnie Lane entrou em uma loja de instrumentos músicas para comprar um instrumento e foi muito bem atendido por um moleque inteligente sardento. Conversaram bastante sobre música e, ao final do expediente, lá foi Steve Marriott para a casa do novo amigo ouvir discos de blues e de rock. Bastaram alguns dias para que a dupla formasse uma bandas.

No começo foi difícil, já que Marriott tocava guitarra muito mal, embora fosse um promissor cantor com sua voz grossa, rouca e rasgada que chamava a atenção quando entoava clássicos da soul music.

Os dois tinham amigos em comum que poderiam completar o time: o baterista Kenney Jones, então um garoto de 17 anos, e o voluntarioso tecladista Jimmy Winston.

Totalmente ingênuos, caíram no moedor de carne do circuito de bares da Grande Londres e chamaram a atenção com um repertório de versões de clássicos norte-americanos. O empresário Don Arden (futuro empresário do Black Sabbath e pai de Sharon Osbourne, mulher de Ozzy), então trabalhando para a Decca, ofereceu um péssimo contrato, que foi assinado sem ler.

A fama começou a chegar, o ritmo de shows era alucinante, mas nada de dinheiro. Foi o que bastou para que rompessem com o gângster Arden, só que caíram no colo de Andrew Loog Oldham, ex-empresário dos Rolling Stones e dono da Immediate Records. As coisas melhoraram, mas não muito.

Com menos de um ano de banda, ficou claro que Winston era limitado e não oferecia a base que Marriott necessitava para dar mais ênfase ao canto. Não pensaram duas vezes em demiti-lo e convidar um conhecido de noitadas e jams, Ian McLagan, que tinha tocado algum tempo com os Artwoods, a banda do irmão mais velho de Ronnie Wood.

O casamento foi perfeito: mais velho, ótimo arranjador e melodista de mão cheia, Mac, como veio a ser conhecido, emoldurou o som dos Small Faces em feixes sonoros que engordaram e expandiram a sonoridade do grupo, como no megahit "All or Nothing" e na maravilhosa "Tin Soldier".

Aos poucos, Martiott evoluía na guitarra e os covers de rhythm & blues norte-americanos e clássicos rockabilly foram dando lugar às canções próprias.

O início: da esq. para a dir., Marriott, Kenney Jones (bateria), Ronnie Lane (baixo e vocais) e Ian McLagan (teclados). somente Jones está vivo (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Adotados pelos mods, usufruíram bastante do clima de festa adorado pelos fanáticos da música negra dançante dos Estados Unidos e que caprichavam no visual elegante, com terninhos e gravatas.

No ano seguinte, os amigos do Who – Kenney Jones substituiria Keith Moon, morto em 1978, na banda em 1979 – acabaram com essa história de símbolos dos mods e caíram de cabeça no rock and roll mais visceral.

Os Small Faces ainda aguentaram até 1967 até que decidissem optar pela psicodelia e por letras mais abstratas, o que desagradou Ronnie Lane.

Em 1968 o quarteto entrou em declínio, ficando fora do topo das paradas na maior parte do tempo mesmo saboreando os elogios da crítica ao ótimo álbum "Ogden's Noit Gone Flake", daquele ano. Mas alguma coisa deu errado. "Parecia que tínhamos chegado tarde ao melhor da festa", disse Lane em um documentário sobre o rock inglês exibido nos anos 90.

Para alguns críticos ingleses, enquanto os concorrentes tinham mostrado uma evolução muito rápida e ousavam em trabalhos mais complexos, os Small Faces permaneceram ligados ao formato canção e demoraram para se livrar da imagem mod adolescente. Realmente, "Ogden's" era bom, mas não foi suficientemente audacioso para lhes dar um passaporte para a nova festa.



Cada vez mais desinteressado por conta do sucesso que não vinha, Steve Marriott começou a fazer jams com muitos músicos de Londres e começou a ficar fascinado com o blues pesado do Free, de Paul Rodgers.

No final daquele 1968, comunicou os Small Faces que estava fora e convenceu um novo amigo, o guitarrista Peter Frampton, da promissora banda The Herd, a criar um novo grupo para tocar um rock mais pesado, algo entre Free e Led Zeppelin. Em 1969 surgia o Humble Pie.

A saída de Marriott gerou um ressentimento grande, tanto que ele e Lane nunca mais trabalharam juntos. O trio remanescente do Small Faces – Ronnie Lane, Kenney Jones (bateria) e Ian McLagan (teclados) – se uniu a Rod Stewart e ao guitarrista Ron Wood, demitidos do Jeff Beck Group. Estava formado o The Faces, de sonoridade mais pop, soul e folk, com enorme sucesso na década seguinte.

Depois que o Humble Pie acabou oficialmente em 1975, Marriott tentou recriar os Small Faces somente com a presença de Jones nos álbuns "Playmate" e "78 in the Shade" (Ian McLagan fez uma pálida participação em poucas músicas, já que era músico de turnê dos Rolling Stones na época) mas o projeto desmoronou em 1978. Ele tentaria resgatar em seguida o Humble Pie, mas sem Peter Frampton, que não topou a ideia. também não deu certo.

Os Small Faces foram uma banda importante por certo período e acabou se tornando cult pelo seu legado e também pelos projetos de seus ex-membros nos anos seguintes.

Até certo ponto injustiçada, pagou caro pela ingenuidade e pelas escolhas erradas no momento mais importante da história do rock inglês. A qualidade de suas músicas, entretanto, é inquestionável.


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