quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Primeiros álbuns do Trapeze são relançados com bônus

 Marcelo Moreira


Três moleques presunçosos e arrogantes que estraçalhavam nos bares de Wolverhampton e Birmingham decidem ir para o tudo ou nada nos estúdios da BBC, de Londres. Eram moleques mesmo, não tinham 18 anos de idade. Sabiam que seriam escrutinados sem dó, e arriscaram tudo.

Deu certo. O quinteto Trapeze, que fazia um som completamente diferente do rock psicodélico dominante e do hard rock que começava a dominar as paradas em 1969, misturava soul music, um funk ainda incipiente e um rock mais grooveado. Agradaram bastante.

Não demorou muito para chamarem a atenção de empresários e selos dispostos a investir em novos talentos e engataram uma sequência de três LPs sensacionais que mostraram ao mundo os talentos de Glenn Hughes (baixo e vocais), Mel Galley (guitarra) e Dave Holland (bateria), que seguiram como um trio após o lançamento do primeiro álbum.

Esses três álbuns, os primeiros da carreira da banda, acabam de ser relançados com muitas faixas bônus em comemoração aos 50 anos de lançamento de "Trapeze", a estréia.

A grande sacada das faixas extras dos álbuns - além de "Trapeze" foram reeditados "Medusa" e "You Are the Music, We're Just the Band", lançados entre 1970 e 1972 - é a recuperação de gravações ao vivo com a formação de trio, coisa rara de se achar em qualidade decente nos bootlegs (gravações lançadas sem autorização, não oficiais).

São justamente sa gravações ao vivo como quinteto que são as pérolas como bônus do primeiro álbum. São as poucas gravações existentes do grupo como um quinteto, que incluía ainda o vocalista John Jones o tecladista Terry Rowley, que eram da banda The Montanas. Hughes, Galley e Holland eram dos Fingers Keepers  e todos se juntaram para tentar fazer um projeto diferente.

O grupo mostrou qualidades, mas havia divergências inconciliáveis entre Jones e Galley, que assumiu declaradamente a liderança do grupo. Mal o LP de estreia saiu, Jones e Rowley abandonaram o barco.

Era tudo o que Galley queria, já de olho em uma novidade que surgia, os irlandeses do Taste, a banda que revelou o guitarrista Rory Gallagher.

O Trapeze, como um trio, manteve as bases sonoras com muito groove e pitadas de soul, mas ficou mais pesado em "Medusa", gravado e lançado ainda em 1970. E foi aí que Gleen Hughes explodiu com sua "voz de ouro" e um baixo poderoso.

As faixas extras de "Medusa" e "You Are the Music", registradas entre 1971 e 1973 na Inglaterra, mostram a evolução do grupo, que soa mais pesado e poderoso ao vivo, como uma espécie de Grand Funk Railroad britânico sem freio e mais descontraído.

Muito apreciada pelos músicos ingleses e por uma certa "intelligentsia" acadêmica, o Trapeze esperou muito pelo sucesso estrondoso que não veio. 

Em sua autobiografia, Glenn Hughes afirmou que eles esperavam se tornar o próximo Led Zeppelin, já que que achavam suas músicas e seu estilo estupendos e em nada parecidos com o que havia no mercado.

Hughes era muito amigo de Galley, mas não pensou duas vezes antes de aceitar a proposta de cantar e tocar baixo no Deep Purple em 1973, quando Ian Gillan e Roger Glover saíram. 

Efetivado, teve de engolir a chegada do desconhecido David Coverdale como vocalista principal, o que não foi um grande problema. E assim Glenn Hughes chegou ao estrelado que o Trapeze lhe negava. 

Trapeze em 1971: da esq. para a dir., Glenn Hughes, Mel Galley e Dave Holland (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Foram somente três anos no Deep Purple, mas marcantes e incandescentes, em que tocou magistralmente bem nos discos "Burn", "Stormbringer" e "Come Taste the Band", além de cantar divinamente.

Já o Trapeze seguiu a vida com muitas mudanças de formações, mas sempre com Galley chefiando. Acabou em 1982 para retornar algumas vezes nos anos 90, mas sem grande repercussão. 

Enquanto isso, Galley se engajou no projeto Phenomena, com o irmão Tom, nos anos 80, que contou com Hughes e o baixista e vocalista John Wetton (King Crimson, Asia) nos vocais.

O Trapeze foi uma das excelentes bandas dos anos 70 que tinham tudo para estourar e virar grandes. Glenn Hughes foi o culpado pela banda não ter acontecido? Não teve paciência pra esperar?

Deixando as suposições de lado, é hora de saborear as maravilhas produzidas nos primeiros três discos do conjunto, injustiçado, mas orgulhoso de sua produção musical e de seu som diferente e, de certa forma, inovador.

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