terça-feira, 27 de outubro de 2020

Joe Bonamassa faz comovente homenagem ao blues britânico em 'Royal Tea'

Marcelo Moreira 

Joe Bonamassa (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ele estava quieto demais. Para um nerd da música, incapaz de tirar férias, o silêncio em 2020 era incomum, por mais que estejamos em meio a uma grave pandemia de covid-19, que matou mais de 500 mil pessoas pelo mundo.

O guitarrista Joe Bonamassa, o nome mais importante do blues na atualidade, chegou ao topo de diversas paradas com seus dois últimos discos, "Blues of Desperation" (2016) e "Redemption" (2018), além da boa receptividade ao pouco inspirado "BCC IV" (2019), de sua banda de hard rock Black Country Communion. Uma sequência tão grande de êxitos é duro de ser mantida. Pressão para cima do instrumentista norte-americano?

Por mais que ele goste de pressão e de trabalho ao extremo, tirou de letra a elaboração de um novo trabalho solo de qualidade. "Royal Tea" é um ambicioso trabalho de recuperação e resgate de suas influências de blues britânico e de classic rock. É um grande tributo a um passado que moldou seu caráter e sua forma de tocar.

As referências inglesas estão por toda a sua obra, desde a banda Bloodline, de 1994, até o duplo ao vivo "British Blues Explosion", em que homenageou os guitarristas Eric Clapton, Jeff Beck e Jimmy Page.

Um de seus primeiros trabalhos solo, inclusive, ganhou o nome de "A New Day Yesterday", clássica música do rock progressivo da banda Jethro Tull, cuja versão foi elogiadíssima.

Bonamassa já pensava em resgatar, de alguma forma, suas influências inglesas mesmo quando gravava o álbum "Sleep Eazys", no começo deste ano, em que mergulhou no rock instrumental para homenagear um músico que influenciou dezenas de profissionais, o guitarrista Danny Gatton, guitarrista criador do chamado "redneck jazz", uma espécie de música dançante criada por "branquelos", digamos assim.

E quando bota uma ideia na cabeça, Bonamassa vai até o fim. Foi conversando com seu produtor, Kevin Shirley (Dream Theater, Iron Maiden) que acabou chegando a dois nomes importantes do rock para ajudá-lo a refinar ideias para o resgate do blues britânico em novas canções: Pete Brown e Bernie Marsden.

Brown ficou famoso como poeta e letrista de rock e blues antes de tal "posição" virar moda com nomes como Pete Sinfield (King Crimson) e Bernie Taupin (Elton John). Seus trabalhos mais reconhecidos ainda são os feitos com a banda Cream, em composições feitas em parcerias com Eric Clapton e Jack Bruce.

Já Bernie Marsden era conhecido nos anos 70 como um virtuose que tinha sido demitido do UFO por perder um avião para um show na Alemanha, em 1972, sendo substituído então por um jovem alemão, Michael Schenker, dos Scorpions. Deu a volta por cima ao fazer dupla de guitarras com Micky Moody no Whitesnake.

Uma terceira peça também foi importante na confecção de "Royal Tea": o pianista de jazz e apresentador de TV Jools Holland.

O blues puro é a base de tudo, seja em arranjos femininos tradicionais ou de metais típicos do sul norte-americano, seja em riffs rápidos e estilosos. Mas estão lá as pitadas de blues manhoso ao estilo Clapton ou os dedilhados limpos e claros de Jeff Beck, por exemplo.

Em dez canções originais, Bonamassa passeia por vários estilos e aborda diversas timbres e tonalidades cm sua guitarra poderosa. A bateria se torna um elemento poderoso na abertura, "When One Door Opens", que traz um ótimo arranjo de cordas.

Anton Fig, o baterista, dá o tom também na excelente "Royal Tea", onde os teclados de Reese Wynans dão o tom e seguram a onda para Bonamassa deslizar suas habilidades em duelos cortantes e certeiros.

"Why Does It Take So Long To Say Goodbye" é um dos momentos de redução de velocidade e expectativas, onde ficam explícitas as influências de John Mayall e Eric Clapton em uma balada pungente e eficaz. 

Por sua vez, é Jeff Beck que emerge na interessante "I Didn’t Think She Would Do It", com fraseados limpos e notas ressaltando o timbre soberbo de uma guitarra novamente poderosa e eloquente.



"Beyond the Silence" é um tema diferente, com guitarras mais pesadas em um blues sombrio e mais denso, enquanto que "Savannah" é o oposto, um delicado número acústico onde o guitarrista desfila uma suavidade e uma delicadeza dignas de nota.

 Ao contrário do CD duplo a vivo em homenagem os heróis britânicos da guitarra, "Royal Tea" é uma homenagem e também um resgate mais sutil dos elementos que sempre fascinaram o então jovem guitarrista norte-americano.

Por baixo de uma capa de blues norte-americano genuíno, Bonamassa inseriu as suas releituras de riffs, solos e encadeamento de notas que caracterizaram o som das ilhas. 

É justamente essa a beleza deste trabalho diferente na discografia de Joe Bonamassa: por meio de canções autorais de um nerd ianque, poder garimpar os traços do blues inglês que tanto influenciou a própria música americana torna-se um empreendimento fascinante e delicioso.

"Royal Tea" não tem a contundência de "Blues of Desperation", a beleza de "Driving Towards he Daylight" ou mesmo a reverência ao cancioneiro norte-americano de "Redemption". 

É uma experiência nostálgica que procura recuperar um tempo idílico de formação musical e de busca de um estilo. Não é o melhor trabalho de Bonamassa, mas é instigante e intrigante a ponto de chamar a atenção em um tempo em que há pouca audácia e ousadia no blues e no rock.

Uma declaração de Bonamassa ao site American Blues Scene resume bem o que o guitarrista penmsa sobre o seu novo projeto e sobre as influências:

"Eu gosto do blues britânico porque é igualmente ingênuo e egoísta, tudo ao mesmo tempo. As bandas de blues britânicas estavam ouvindo discos e pensaram que Howlin ’Wolf era um cara enorme. Eles pensaram que ele era Elvis, certo? Eles nunca pensaram que esses caras estavam tocando em clubes. Eles pensaram que eram grandes estrelas. Eles eram ingênuos ao fato de que os americanos não apreciavam os seus. Estamos falando sobre realizações artísticas de nível de Shakespeare. Howlin' Wolf, Muddy Watters, Buddy Guy, Bobby Rush e todos os outros mestres. Eles romantizaram esses heróis quase míticos porque nunca pensaram que os encontrariam. E então foi um pouco ingênuo. E isso é fascinante."


 


 


 

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