segunda-feira, 12 de outubro de 2020

O baixo marcante e esfuziante de Chris Squire está calado há cinco anos

 

 Marcelo Moreira

Chris Squire (FOTO: DIVULGAÇÃO)

A maior preocupação de Chris Squire quando foi diagnosticado com leucemia linfoide, em 2015, era com o fato de que teria de cancelar ou mesmo não participar de shows do seu Yes. "Nunca perdi um show na minha vida. Sou o único membro da banda que tocou em todos e que fez parte de todas as formações." 

Infelizmente a preocupação durou pouco e ele acabou morrendo em junho daquele mesmo ano, aos 67 anos. Seus temores e previsões se concretizaram e nunca mais subiu ao palco com o Yes, a sua banda – era de sua sua propriedade, já que sempre deteve os direitos sobre o nome da banda.

Um dos grandes baixistas do rock, estilista e virtuoso, foi o grande suporte do Yes por 48 anos. Chefão implacável e impiedoso – não hesitou em substituir e demitir o amigo e cofundador Jon Anderson quando este ficou doente, às vésperas da turnê de 40 anos, em 2008. 

Ao lado de gigantes, como Anderson, o guitarrista Steve Howe, o tecladista Rick Wakeman e o baterista Bill Bruford, entre outros, transformou o quinteto de rock progressivo em uma referência de música de qualidade e excelência, ainda que os detratores apontem – com certa dose de razão – que a obra da banda descambou para a autoindulgência, para o cinismo, para a egolatria e até para a presunção e arrogância.

Squire nunca levou essas críticas a sério. Empurrou o Yes para o sucesso, a despeito das brigas com os amigos e com constantes trocas de integrantes. Sempre teve diferenças grandes com Wakeman, que adorava dizer que o Yes era uma "corporação", no pior sentido da palavra. No entanto, isso nunca os impediu de tocar juntos e compor clássicos. 

Poucos grupos de rock trocaram tanto de integrantes como o Yes. A banda inglesa de rock progressivo, famosa pelo som complexo e refinado e pelas composições quilométricas, jamais emendou quatro anos com a mesma formação até 2015. Porém, poucos grupos conseguiram reunir tamanha integridade e qualidade em sua trajetória, mesmo em seus trabalhos menos expressivos.

Esse, talvez, seja o maior legado de Chris Squire. Reconhecido como um dos baixistas fundamentais da história do rock – como John Entwistle (Who) e Jack Bruce (Cream), entre outros. 

O baixista do Yes estabeleceu um conceito rigoroso de padrão musical, assim como de ética no trabalho, a despeito dos excessos de tudo nas vidas pessoais dos integrantes. Eram muitas as divergências e discussões, mas eram qualidades que Jon Anderson, o vocalista cofundador do Yes, em 1968, admirava no companheiro. 

Pragmático e exigente, Squire sempre foi um instrumentista focado e um gestor consciente das potencialidades da banda e de suas imensas possibilidades artísticas e empresariais. Segurou o Yes na ativa nos altos e nos baixos, transformando-o em uma instituição do rock progressivo.

Não bastasse o seu pragmatismo bem-sucedido, tinha uma visão ampla do negócio da música e nunca perdeu uma boa oportunidade de fazer avançar o status de sua banda ou mesmo de arrecadar um pouco mais de dinheiro – que significou, muitas vezes, convidar seguidas vezes outrora desafetos para retornar à banda – Jon Anderson em 1983, Steve Howe em 1994 e Rick Wakeman em 1996, entre outros. 

Uma de suas boas sacadas foi acatar a ideia de Anderson de juntar os "dois Yes" em 1990, em uma formação com oito músicos que durou quase dois anos, entre 1990 e 1992.

Todos os oito tiveram com passagens anteriores pela banda, mas com carreiras solo empacadas ou em recesso à época. Este período foi retratado oficialmente em um DVD e um CD ao vivo, em 2011. 

A chamada "Yes Union Tour" começou em 1991 e terminou no início de 1992. Surgiu de forma "improvisada", se é que podemos chamar assim. 

Última formação do Yes com Squire: da esq. para a dir., Chris Squire (baixo), Alan White (bateria), Geoff Downes (teclados), Steve Howe (guitarra) e Jon Davidson (vocais) (FOTO: DIVULGAÇÃO)


Hábil negociador 

Quando o Yes terminou em 1981, após o fracassado do álbum "Drama", sem Jon Anderson, e da turnê subsequente, o baixista Chris Squire e o baterista Alan White tentaram formar uma banda com Jimmy Page e Robert Plant, ambos ex-Led Zeppelin.

O XYZ, nome do projeto, começou a ensaiar no final de 1981 em Los Angeles, mas Plant logo abandonou o projeto na primeira semana. Page desistiu um mês depois. Sem saber o que fazer, Squire e White foram apresentados ao guitarrista sul-africano Trevor Rabin, que aceitou trabalhar com os dois.

O ex-Yes Tony Kaye foi recrutado para o que viria a ser o Cinema. No fim de 1982, durante as gravações do primeiro CD do Cinema, Jon Anderson visitou Squire no estúdio e adorou o que estavam fazendo. Convenceu os quatro de que seria interessante ele entrar na banda e renomeá-la como Yes.

O álbum, "90125″, de 1983, estourou com o megahit "Owner of a Lonely Heart" e o grupo viveu seus maiores dias de glória.

Entretanto, as tensões entre os membros surgiram quatro anos depois, na turnê do álbum Entretanto, as tensões entre os membros surgiram quatro anos depois, na turnê do álbum "Big Generator".

A orientação mais pop irritou Anderson, que saiu do grupo novamente (como fizera em 1980). O Yes seguiu em frente com Rabin como vocalista.

Para fazer "pirraça" para o então ex-amigo Squire, Anderson, de brincadeira, reuniu três outros ex-Yes em sua casa para uma jam session e espalhou que seria um novo Yes. 

O Yes como um octeto, em plena turnê (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Ele, Rick Wakeman (teclados), Steve Howe (guitarra) e Bill Bruford (bateria) se reuniram mais de uma vez e acabaram compondo algumas músicas. O que era brincadeira ficou sério e empresários correram para viabilizar a gravação de um novo álbum. 

A ideia era que o grupo se chamasse Yes, mas Chris Squire, claro, não permitiu, primeiro porque ele detinha os direitos sobre o nome, e segundo porque ainda existia um Yes em atividade.

Com o nome de Anderson, Bruford, Wakeman and Howe, os quatro, mais o baixista Tony Levin (King Crimson) gravaram um CD, com o nome da banda apenas, e saíram em turnê mundial. 

Enquanto isso, o Yes hibernava e muito lentamente começava os trabalhos para um novo álbum. A fome de bola do Yes alternativo era tanta que, ao final da turnê mundial, voltaram ao estúdio para gravar novo CD. 

E eis então que Jon Anderson reata a amizade com Squire e Rabin em 1990, ao mesmo tempo em que a gravadora recusa algumas das ideias musicais do "Yes alternativo". Anderson pede a Rabin que ceda algumas músicas para reiniciar os trabalhos com o Anderson, Bruford, Wakeman and Howe.

As músicas caem em cheio no gosto do "Yes alternativo" e então um empresário tem a ideia de remontar o Yes juntando os quatro músicos do Yes original e os quatro do alternativo, algo que já estava na cabeça de Squire. 

Cada um dos grupos já havia composto, gravado e mixado quatro músicas cada. Isso não foi impedimento, já que todas aparecem no CD "Union", lançado em 1991. 

Pela primeira vez o Yes aparecia em CD como um octeto – vocal, baixo, duas guitarras, dois teclados e duas baterias. Essa formação saiu em turnê pelos Estados Unidos e Europa – o registro em DVD/CD que saiu em 2011 é desta turnê.

É claro que os egos inflados e enormes eram muito maiores do que o espaço no palco. Houve insatisfações, resmungos, mas nenhuma discussão grave. A turnê foi bem-sucedida, mas ao final cada músico seguiu seu caminho. 

O Yes só retornaria em 1994 com o CD "Talk", com a formação que gravou "90125″ – Jon Anderson, Chris Squire, Tony Kaye, Trevor Rabin e Alan White. 

A turnê deste álbum passou pelo Brasil em 1995. Quem assistiu aos shows na época ficou admirado ao constatar a qualidade técnica e o profissionalismo dos músicos em apresentações impecáveis, embora já sem a mesma empolgação dos anos 70.

 

Anúncio da Union Tour, em 1991: da esq. para a dir., Tony Kaye (teclados), Trevor Rabin (guitarra e vocais), Rick Wakeman (teclados), Alan White (bateria, com a camisa do Flamengo), Chris Squire (baixo), Jon Anderson (vocais), Bill Bruford (bateria) e Steve Howe (guitarra) (FOTO: DIVULGAÇÃO)

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