sábado, 31 de outubro de 2020

A batalha entre civilização e barbárie no Brasil entra em fase crucial

 Marcelo Moreira



Governadora filha de professor que defende o nazismo e nega o Holocausto assume o cargo e mantém silêncio sobre o passado; moradora de condomínio de casas de luxo que nega a entrada do entregador de comida pelo fato de ser negro - e o chama de macaco; "cidadãos de bem" falam explicitamente em votar em candidatos que prometem cortar verbas de auxílio a moradores de rua; apoiadores de políticos fascistas vomitam nas redes sociais que meio ambiente e floresta atrapalham o progresso

De que esgoto saiu toda essa gente?

Não são poucos os cientistas sociais que enxergam no modelo social existente em parte expressiva do mundo a origem desse fascismo e o ódio aos direitos humanos.

Para estes estudiosos, se o neoliberalismo não supriu as necessidades políticas, econômicas e sociais de grande parte da população, a esquerda muito menos, cabendo a esta a culpa de ter agravado muitos dos problemas antigos e de ter "traído" o povo com suas promessas de redução de desigualdades - ainda que efetivamente tenha tido sucesso neste aspecto na maioria dos países que governou,como Brasil, Bolívia, Chile, Portugal, Espanha e muitos outros.

Essa gente burras, ao que parece, prefere ser enganada por políticos reconhecidamente corruptos e fascistas, daqueles que clamam por mortes aos montes de supostos bandidos e que não suportam ser confrontados dentro de um ambiente de liberdade de expressão.

Historiadores explicam a dificuldade de pensamentos democráticos engrenarem em países como Alemanha e Rússia no século XX  por conta de séculos de opressão, tiranias e monarquias absolutistas. Algo parecido pode ser explicado em relação ao Brasil, com apenas alguns espasmos democráticos desde a sua independência.

É uma sociedade acomodada aos desmandos de caciques e chefetes políticos de todos os calibres, desacostumada e incomodada com a liberdade de expressão, opinião e de imprensa e incapaz de projetar uma ideia de futuro em que haja algum tipo de igualdade.

É uma herança nefasta ibérica, onde a cultura do privilégio ficou de tal forma arraigada que necessita de tal comodismo e um conservadorismo retrógrado como pilastras de um sistema desigual e injusto. Para que isso se mantenha, violência, autoritarismo e totalitarismo são requisitos básicos.

A admiração por facínoras e o racismo latente - e agora explícito - são sintomas de um empoderamento de parcela importante da população brasileira que vê na ignorância uma arma poderosa pata impor seu ponto de vista medieval e tacanha.

A chega do homem medíocre ao poder, com tudo de ruim e nada de bom, reforça a corrente de pensamento de que o brasileiro é um analfabeto político e um povo que prefere o parioquialismo e o assistencialismo rasteiro a qualquer tipo de debate ou caminho para o progresso.

Brasileiro vota em busca de benefícios e em quem oferece vantagens. É assim na eleição para vereador e para deputado federal ou senador. Cai na lábia do primeiro vagabundo demagogo. É incapaz de enxergar um pouco mais além do que o próprio bolso. 

Votando com o bolso ou de olho em qualquer carguinho ou auxílio-esmola, chama todos os esquerdistas de traidores porque resistiram às políticas populistas - ou à maioria delas - e não resolveram todos os problemas do mundo em quatro anos.

E a vagabunda moradora do condomínio de luxo que proibiu a entrada do entregador negro no condomínio agora tem orgulho de bradar que não precisa mais dividir aeroporto com pobres e pretos; não precisa conviver com eles dentro de sua "fortaleza".

Certamente ela e os eleitores catarinenses não estão se importando se a nova governadora, empossa recentemente, é filha de um professor ardoroso defensor do nazismo e que nega a existência do Holocausto. 

E daí? Será que ninguém está curioso para saber se ela também admira Adolf Hitler ou se em algum momento aventou a possibilidade de ao menos discutir algum tipo de política higienista?

Já tem gente passando o pano e tentando defender a tal governadora, afirmando que ela jamais fez qualquer defesa do nazismo, seja como advogada ou como política de carreira. 

A questão é justamente o oposto. Sendo filha de nazista, existe algum tipo de declaração ou postura dela distanciando-se das ideias do pai? 

Até o momento, não foram encontrados registros de qualquer tipo execrando o nazismo ou qualquer tipo de fascismo. Nenhuma crítica às ideias nefastas do pai veio à tona, ao menos por enquanto. É um silêncio ensurdecedor, ainda que concedamos o benefício da dúvida - benefício temporário.

Por falar em higienização, não são poucas as pessoas que estão elogiando candidatos a vereador em São Paulo que prometem "solução" para "acabar" com os moradores de rua e com os "drogados" da Cracolândia.

Tais candidatos, quase todos apoiando um certo postulante à prefeitura apoiado pelo nefasto presidente da República, falam abertamente em acabar com políticas públicas de ajuda aos sem-teto e cortar verbas de programas de auxílio a essa parcela da população.

Estamos assistindo ao progressivo processo de desumanização da sociedade e do ambiente político. Ultrapassamos a fase de ficarmos horrorizados de ver pobre votando na direita e na extrema-direita, em candidatos que abertamente prometem implantar políticas públicas que vão prejudicar exatamente os mais vulneráveis - e os mais pobres.

E, como tem sido recorrente ao longo de 2019 e 2020, é grande o número de pessoas que se dizem roqueiras que aplaudem esse tipo de coisa, justamente pessoas que se dizem "esclarecidas" e "diferenciadas" por gostarem de rock, em, oposição aos "ignorantes" sertanejos e pagodeiros. 

Como é possível que o fascismo e o horror a políticas mais progressistas e mais igualitárias tenham proliferado de m,odo tão preocupante entre os (supostos) amantes das artes, da cultura e da educação?

Uma eventual derrota de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos está sendo ansiada pela intelligentsia nacional como o pontapé da derrocada bolsonara. Não contemos com isso. 

O caminho dos brasileiros para se livrar do autoritarismo será longo e acidentado. Não será fácil como aparentemente está sendo em outros lugares do mundo.

Sobre o impacto da pandemia no panorama político do Brasil, uma reflexão interessante surgiu nesta semana no programa "Provocações", da TV Cultura, que perdeu muito de sua relevância por conta das posturas conservadoras e antiprogressistas do apresentador Marcelo Tas.

Mas ele acertou ao entrevistar Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Locomotiva. Ele   afirmou que o vírus alterou o cenário polarizado do país: "Até a pandemia, você tinha uma polarização entre o que seria a esquerda versus o que seria a direita. A polarização mudou; virou uma polarização entre quem defende a vida e quem defende o vírus. Então, a gente trocou uma polarização de esquerda versus direita por uma de civilização versus a barbárie".

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