sábado, 17 de outubro de 2020

Caso Robinho aprofunda a 'bolsonarização' de nossa sociedade

 Marcelo Moreira

Em algum lugar do passado eu havia comentado que, qualquer que fosse o resultado da eleição de 2018 ou de avaliações de seu governo, Jair Bolsonaro seria o grande vencedor, em todos os sentidos.

Os transtornos trazidos e causados por este ser nefasto e o empesteamento do ambiente político e social com sua sujeira transformaram o Brasil em um esgoto como nunca antes aconteceu.

Episódios como o "cancelamento" (justo e necessário) do jogador de futebol Robinho e do senador bolsonarista flagrado com dinheiro na cueca e no ânus reforçam a impressão de que a doutrina bolsonara, tanto em ideologia como em comportamento, estão de tal forma imiscuídas e entranhadas em nossa sociedade que a moral e a ética simplesmente foram soterrados diante de fatos desoladores.

Ao orgulho de ser ignorante a sociedade bolsonarista acrescenta a relativização de crimes graves e nojentos. A quantidade de pessoas que está aliviando a barra de Robinho é espantosa, perigosa e assustadora. 

O mundo conservador e fascista tenta virar o jogo acusando a vítima de estupro como a responsável pela "orgia", transformando o jogador e seus amigos criminosos em "vítimas". 

Essa gente analfabeta que admira Bolsonaro e seu mundo podre, descobriu a palavra consentimento, que está servindo de muleta pra a defesa de Robinho. 

Robinho concede entrevista ao UOL (FOTO: REPRODUÇÃO/VÍDEO/UOL)

Os detalhes sórdidos do caso, revelados pelo GE - Globo Esporte e que constam na sentença de condenação do jogador, ma Itália, deixam claros que há base sólida para a condenação em primeira instância e que o jogador não só cometeu os atos ilegais contra uma vítima indefesa e sem sentidos como tripudiou em mensagens de texto sobre o ocorrido.

A bolsonarização da sociedade tenta relevar o crime de corrupção do senador bolsonarista com dinheiro na cueca e o gravíssimo crime de estupro de Robinho.

Certamente orientado por advogados e assessores malandros, tratou de colar sua imagem à de Bolsonaro, em uma arriscada manobra diversionista, já que a rejeição ao presidente incompetente e autoritário está em alta em tempos de eleições municipais.

Ao colar em Bolsonaro e se comparar ao presidente, atraiu um poderoso inimigo, a TV Globo, à qual Robinho qualificou de "coisa do demônio" por supostamente persegui-lo, "assim como persegue o presidente".

Ao invadir o território perigoso da fantasia e da paranoia, com temperos de adesão a qualquer seita evangélica da pior espécie que abraça o proselitismo, a mentira e o fisiologismo, o jogador decide pela guerra à qual não tem nenhuma chande de vitória.

Presunção de inocência? Ela existe, mas um fato é incontestável: Robinho foi condenado e está condenado pela Justiça italiana. Tem, o direito de recorrer em liberdade, mas está condenado. Diferente de alguém que foi absolvido, mas não está livre porque a outra parte ou Ministério Público recorreu. 

Está livre, momentaneamente, da condenação, mas não totalmente imune a uma eventual condenação em segunda instância. Parece óbvio, mas o analfabeto mundo de esgoto que evolve o bolsonarismo é incapaz de compreender.

Enquanto Robinho não se livrar da condenação em instâncias superiores da Justiça italiana, ele é uma pessoa condenada, mesmo em primeira instância. E isso é muita coisa,e justifica as manifestações que protestam contra a sua contratação por um clube brasileiro, ainda mais um clube importante como o Santos.

Justificam a suspensão de sua contratação, as ameaças fortes de debandada de patrocinadores do clube, de críticas fortes e contundentes contra sua contratação, feitas por jornalistas, atletas, celebridades e importantes nomes da cultura e das artes. Sua contratação pelo Santos seria um escândalo.

Sua "defesa", digamos assim, é muito frágil, desde as débeis tentativas de explicação de uma suposta advogada contratada no Brasil, até as entrevistas ruins e autodestrutivas.

Não se sabe quais foram os critérios que o levaram a escolher o portal UOL e o apresentador Benjamim Back, da Fox, para falar com exclusividade. Seriam supostamente jornalistas amigos e menos críticos? Não foi o que se viu, embora UOL e Back tenham sido generosos em permitir que o jogador falasse bastante. Clique aqui para ver e ler a entrevista de Robinho ao UOL.

Robinho abusou da palavra "consentimento", coisa que não houve, de acordo com o processo italiano e sua sentença, acusou a vítima de estar bêbada,mas não na hora de "propor a relação sexual". 

Também abusou da ironia, da apelativa "conversão" à religião evangélica e se apegou a inimigos imaginários, como a TV Globo e o feminismo - conceito ao qual o jogador não tem a menor intimidade, desconhecendo mesmo os rudimentos básicos. 

Seu comportamento lembra o da moça que acusou Neymar de estupro e agressão, sendo flagrada depois em contradições e, finalmente, na mentira.

Pesa ainda contra o ex-jogador do próprio Santos uma mal explicada acusação de estupro na Inglaterra, quando atuou pelo Manchester City, na década passada.

As circunstâncias foram parecidas: na cidade de Leeds, estava de madrugada em casa noturna quando se envolveu com uma garota supostamente menor de idade. Houve relação sexual em um dos ambientes. 

A garota, dias depois, acusou o jogador de estupro, mas tudo levava a crer que Robinho estava sendo vítima de uma golpista/oportunista, já que até mesmo os funcionários da boate depuseram a favor do jogador. "Não vi nenhuma garota sair da casa noturna devastada ou abalada por um suposto estupro", disse uma das testemunhas. Apesar disso tudo, o fim do caso e a desistência do processo pela suposta vítima causaram surpresa na época.

Foi só Robinho citar Bolsonaro e se dizer "cristão evangélico perseguido pela Globo" para ser abraçado por todo tipo de lixo do mundo bolsonarista, que se revela bastante flexível em, relação a limites éticos e morais - são bastante elásticos, aliás, a julgar pela quantidade de patifarias que surgem em tais ambientes.

A citação do jogador à "infeliz existência do feminismo" conseguiu a proeza de unir mulheres de extrema-direita em favor de Robinho, aliviando e desacreditando a história do estupro, em uma completa inversão de valores, esticando mais ainda o elástico dos conceitos morais dessa gente perversa e perigosa.

O caso Robinho veio a calhar pra desviar a atenção do senador asqueroso pego com dinheiro na cueca e no ânus, um dejeto humano que desviou dinheiro da área da saúde dos programas de combate à pandemia de covid-19.

Felipe Diniz (esq.) e Casagrande durante o programa Globo Esporte (FOTO: REPRODUÇÃO/TV GLOBO)

Diante da falta de notícias decentes e dos ataques certeiros por causa da depredação do meio ambiente e da ineficiência econômica, entre outras lamentáveis ações, não resta nada ao mundo bolsonaro a não ser arrumar escudos de cunho moral e ético - na verdade, na falta de tais valores - para desviar o foco.

A indigência intelectual do bolsonarismo impede sua gente acéfala de usar com parcimônia o conceito de presunção de inocência no caso de Robinho. Ela existe, já que haverá julgamento em outras instâncias, mas existe um fato incontestável: ele foi condenado e está condenado. 

Só gente imbecil é incapaz de entender tal coisa e de abraçar o antifeminismo para usar como escudo no mais novo fiel seguidor de Jair Bolsonaro.

Essa régua moral que o bolsonarismo, um dos maiores lixos já produzidos pela humanidade, impeliu aos brasileiros, ou a grande parte deles, é maior vitória política, pessoal e moral que o nefasto presidente conseguiu. 

Seu nome agora é sinônimo de um movimento de retrocesso inigualável no mundo e o "movimento" a ele atribuído é exemplo do que existe de mais medieval e retrógrado no mundo de 2020. É um feito e tanto.

É inegável que ele venceu. O lixo ideológico e comportamental que produziu e resgatou dos pântanos está impregnado de forma visceral na alma de nossa sociedade. Seus preceitos, queiramos ou não, estão balizando discussões políticas e filosóficas, onde o feminismo vira crime e o estupro é relativizado, assim como a corrupção dos próceres fascistas do mundo bolsonaro.

Assim como ainda temos de lidar com muita coisa originada do getulismo (de Getúlio Vargas, ditador e presidente entre 1930 e 1945 e 1951 a 1954) - para o bem e para o mal -, teremos de suportar o empesteamento do bolsonarismo em nossa sociedade por décadas, e sempre para o mal. Temos de reconhecer que Jair Bolsonaro e seu mundo putrefato venceram.

P.S.: É ótimo ver o ex-jogador Casagrande dar uma aula de civilidade e cidadania ao criticar de forma contundente a contratação de Robinho pelo Santos e a forma como a sociedade brasileira aceita certos tipos de "sacanagem". E é desalentador ler nas redes sociais roqueiros que dizem gostar de rock relativizarem o estupro e a condenação de Robinho, como se tudo fosse uma conspiração de esquerdistas e corintianos e palmeirenses pra evitar a chegada do jogador ao Santos.

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