domingo, 30 de julho de 2023

A coragem necessária em tempos de ódio - mesmo nas derrapadas

 A coragem costuma ser uma virtude bastante apreciada mesmo em situações de imprudência, que podem levar a situações de heroísmo ou simplesmente de pura falta de bom senso. De qualquer forma , é preciso ter coragem para enfrentar a vida, principalmente em tempos difíceis e turbulentos.

Fernanda Lira é uma moça corajosa e resiliente. Enfrentou muitas barras pesadas com altivez e uma postura que incomoda muita gente - sua visão positiva da vida é algo fora do comum, principalmente o meio musical e, mais ainda, dentro do heavy metal. Definitivamente, ela incomoda.

Vocalista e baixista da banda Crypta, banda em ascensão no metal extremo mundial, é frequentemente alvo de machismo e misoginia nas redes antissociais por uma série de motivos - ser mulher, ser mulher bem-sucedida em um meio machista, ser ativista de direitos de humanos, ex-direitista e ex-antipesrista que virou engajada de esquerda, com viés feminista...

Como nunca se importou em ter a vida devassada nas redes antissociais - sabe usá-las como nunca para divulgar a carreira e a banda -, sempre teve habilidade em escapar das armadilhas da superexposição, mas às vezes também escorrega.

Retornando de uma longa turnê europeia com a Crypta, Fernanda resolveu anunciar nas redes mudanças e sua vida pessoal e que partiria para morar sozinha pela primeira vez na vida em São Paulo. E cometeu o "equívoco" de pedir ajuda financeira aos fãs de sua banda para mobilizar minimamente o apartamento, mencionando de leve alguma dificuldade financeira ou "descapitalização".

Foi o que bastou para ser achincalhada pelos detratores de sempre, que a acusaram de abuso financeiro de querer ser sustentada pelos fãs, com extensas doses de machismo, preconceito e misoginia. As críticas, algumas sensatas, a maioria absurdas - foram tantas e tão fortes que fizeram a musicista voltar às redes antissociais para "se desculpar aos que se sentiram ofendidos" e que doaria o que já tinha recebido via pix - algo em torno de R$ 3 mil - para a Cufa (Central Única das Favelas), uma das ONGs mais importantes deste país.

Mesmo sendo uma musicista importante dentro do rock nacional, com uma visibilidade internacional forte dentro do underground do metal extremo, ela se surpreendeu coma  reação negativa e com a sanha destrutiva que viceja mesmo entre seus fãs. E também se surpreendeu com o alcance da própria fama.

Ela não tinha que pedir desculpas. E nem ofendeu ninguém. Em um país onde um ex-presidente nefasto abr uma campanha de arrecadação para custear causas judiciais e investe R$ 17 milhões no mercado financeiro, em algo próximo a um estelionato, soa como piada de mau gosto as críticas a uma musicista talentosa e esforçada.

Quando uma manada de estúpidos resolve dar dinheiro mensalmente para igrejas e seitas, ou para qualquer tipo de picaretagem com forte cheiro de golpe, soa como pida trágica as críticas a Fernanda Lira.

E o que dizer de torcedor de futebol mais estúpido do que nunca que doou dinheiro para uma fantasiosa campanha supostamente para evitar que o melhor jogador do time ficasse e não se transferisse para a Arábia Saudita? Seria o caso de Róger Guedes, do Corinthians...

Qual foi o erro de Fernanda Lira? Ingenuidade? Presunção? Um pouco de falta de noção da realidade? O que é uma campanha de financiamento coletivo de um álbum ou DVD senão uma contribuição do fa que pode ser usada na produção do álbum ou para custear a pizza da banda depois das gravações?

Por que essa indignação seletiva em relação a uma musicista exalando forte cheiro de machismo e misoginia? Se fosse algum membro homem do Sepultura, Angra, Krisiun, Torture Squad ou de qualquer banda a reação seria tão indignada? De ma hora para outra esqueceram o lema "pede quem quer, doa quem pode - e quem quer? 

Por que a atitude de Fernanda foi ilegítima? Por que supostamente ela é uma artista internacional e, portanto, nadando em dinheiro por conta da "fama"?

Recentemente um dos responsáveis por um dos melhores canais de YouTube dedicados ao rock e ao metal no Brasil fez um pedido público de ajuda financeira aos seus seguidores por cont de um acidente automobilístico no qual foi o culpado. Teria de pagar os prejuízos dos dois veículos, incluindo o dele. Em dois dias levantou mais de R$ 5 mil. Por que não foi alvo de críticas? Ele fez algo de ilegal e ilegítimo?

A questão extrapolou o simples pedido feito pelas redes sociais. Transcendeu o mero chiste para se tornar um caso clássico de preconceito e misoginia, com acusações pesadas e despropositadas. Não será a última vez em que ela e outras mulheres que ousaram se dar bem no no rock e no metal serão vítimas de esculhambação apenas por serem mulheres.

Prika Amaral, guitarrista e vocalista de Nervosa, e que conviveu com Fernanda nesta banda, é frequentemente achincalhada or cont das constantes mudanças de formação de sua  banda - e ela nunca escondeu que a Nervosa era a "sua" banda. 

Outros grupos musicais, formado por homens, trocam de integrantes com frequência muito maior e nunca foram alvo de haters e seres desclassificados de todo o tipo, mas a "Alemoa" da Nervosa é taxada de mandona, nazista e arrogante Não é mera coincidência.

Fernanda Lira já tinha sido alvo quando pediu ajuda aos fãs para arrecadar fundos para pagar os prejuízos em uma turnê americana da Crypta em abril - a van da banda foi destruída na passagem de um ciclone na cidade onde estavam. 

Sem seguro pago pela organização da turnê, o veículo teve de ser pago pela banda - uma coisa absurda, mas corriqueira nos Estados Unidos. Em uma semana, a Crypta arrecadou US$ 60 mil (R$ 300 mil) necessários para a maior parte dos custos. 

E nem assim, por uma "causa nobre", ela e a banda foram poupadas pelos incomodados de plantão, acusando a Crypta de "extorquir" os fãs por conta de "insucessos no exterior e falta de público".

São tempos complicados e muitos lugres do mundo, e principalmente no Brasil. O fato de termos nos livrado de um mundo de trevas por conta do bolsonarismo nefasto não ilumina nossos caminhos e nem dissipa as nuvens pesadas do horizonte. 

Os arautos do retrocesso espalharam o ódio de tal forma que contaminaram todos os ambientes a ponto de inviabilizar a convivência sadia e de espantar a inteligência e o bom senso. 

Quem diria que veríamos o dia em que as pessoas perderiam o puder de se mostrar racistas e nazistas, como tem ocorrido com frequência no Brasil desde o ano passado, pelo menos? 

Quem imaginaria que um vagabundo asqueroso faria uma saudação nazista e xingaria o vocalista negro do Sepultura na frente do palco, em um show em Fortaleza? 

Fernanda Lira é u, alvo predileto dos haters e dos preconceituosos de sempre no rock. Se ela tinha dúvidas quando da campanha para diminuir o prejuízo nos Estados Unido, não tem mais depois de pedir dinheiro para comprar a sua geladeira. 

Foi um vacilo, na postura inadequada e infeliz, talvez, mas nada imperdoável. Que esse deslize não a desvie do caminho bonito que vem trilhando, seja nas causas sociais - entrega de comida a sem-teto, arrecadação de donativos para vítimas de tragédias e postura humanista, antirracista e antifascista. 

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