A voz ´de uma moça hesitante, até tímida de certa forma, mas também de quem sonha com um futuro próximo luminoso. É uma voz esperançosa, bem diferente da sensualidade e da sofisticação da soul music classuda e bem arranjada de seu primeiro EP. Juliane Hooper, cantora brasileira de nome imponente, estreou bem e com força.
"Fiquei satisfeita com o resultado. Consegui reunir o máximo de influências em sete músicas que representam bastante o que eu penso, o que eu sou e o que estou me tornando", afirmou a jovem cantor ao Combate Rock.
Contrariando uma tendência que contaminou até mulheres jovens intérpretes da MPB, Juliane optou por instrumentos clássicos e "orgânicos" para registras as setes faixas do EP "Soulful", com o acréscimo de arranjos eletrônicos em apenas duas delas.
O resultado é muito interessante, uma mistura de rhythm & blues, jazz e o que está sendo chamado de neosoul, com nítidas influências de cantoras inglesas, como Amy Winehouse e Sade, e um pouquinho de Joss Stone e Lisa Stansfield, embora ela desconhecesse o trabalho dessa última diva dos anos 80 e 90. "Obrigado pela dica, vou descobrir ainda hoje o trabalho dela."
Elegância e sofisticação dominam as belas melodias de "Soulful" e "Se Entregou", as primeiras canções, permeadas por uma guitarra acústica jazzística e um baixo insinuante.
As canções são intimistas e de autoria da própria cantora, que teve um suporte crucial da banda no arredondamento do trabalho. "Desde a pandemia de covid-19 tenho estudado bastante teoria musical e evoluí bastante na técnica ao tocar violão. Tive boas aulas com o baixista de minha banda."
Por enquanto a alternância entre canções em inglês e português vai dominar o repertório autoral, embora a internacionalização da carreira não seja uma meta imediata. A inspiração dita os rumos do trabalho.
"Não há como ficar imune à influência da música brasileira e pretendo trabalhar mais com elementos da MPB, que é riquíssima, assim como a língua portuguesa. Também miro, mais para a frente, trabalhar canções mais dançantes e agregar valores de outros ritmos, mas a praia do soul é onde estou mais confortável agora", analisa Juliane.
Nada mal para uma vocalista que começou cantando rock clássico e brasileiro dos anos 80 bem no comecinho, onde aprendeu os rudimentos da profissão. A migração para a soul music foi natural quando decidiu compor as próprias canções. "Minha voz e meu estilo de compor casaram bem com esse gênero, e foi natural incorporar versões de cantoras de jazz e blues ao meu repertório, que desembocaram no meu trabalho autoral."
No ano passado, ela lançou a faixa melancólica "Soulless" e logo após, a sensual e dançante "Wasting Away", que integram o EP. E não hesitou em aguardar o tempo necessário de produção para apresentar o seu mais verdadeiro íntimo, como ela declarou recentemente no material de divulgação de "Soulful".
Durante um ano, com a providencial ajuda do produtor Julio Mossil, a artista buscou sonoridades, letras, referências que a representassem cem por cento. E isso, permitiu que o álbum tivesse mais a sua cara. "O disco traz uma pessoa se descobrindo como artista, sem medo de expor suas fragilidades, sensibilidades, agressividades, sentimentos, nas músicas.".
Detalhista e minuciosa, de início ela pretendeu que as faixas estariam em uma ordem de acontecimentos do vazio e abandono ao momento de reconhecimento sobre ter e pertencer a todos os sentimentos (inclusive felizes e dançantes).
Entretanto, pela parte musical, Juliane decidiu inverter essa história deixando ainda com mais sentido, já que os nossos sentimentos não partem do crescente, do triste ao feliz, mas é uma montanha-russa, ninguém se sente completo o tempo todo.
Juliane aborda o romantismo clássico em algumas das letras, mas também uma certa inadequação social nos tempos pós-pandeia. é o caso de "Se Esgotou", onde manifesta o desconforto e esgotamento de viver numa sociedade capitalista, com a falsa liberdade. A
A terceira e única faixa não escrita por Juliane, "Ainda Dói", era uma poesia feita por Mônica Paixão, em homenagem ao seu pai. Ela leu o texto e compôs a música que fala sobre luto.
"But You" fala sobre um término de relacionamento que marcou a vida da cantora e o processo de lidar com o fim. Ela tem a sua resposta na penúltima faixa, "Condicional", que virou quase um interlúdio onde Juliane recita uma poesia que escreveu sobre o reconhecimento da situação e a despedida em finalmente estar madura para deixar a pessoa ir.
Antes, tem a já lançada, "Wasting Away", falando sobre estar vulnerável com consciência de ser um estado temporário e necessário para por fim assumir novas responsabilidades, novas mudanças. E finaliza, com "Soulless", para abordar o ciclo em que a cantora volta a se sentir com o vazio e o superficialismo da vida adulta.
Evitando armadilhas de mercado e apostando em um segmento ainda pouco explorado no Brasil, Juliane Hooper percorre um caminho instigante e menos óbvio.
Pode parecer perigoso, mas a coragem é uma característica bastante presente nos trabalhos de diversos artistas jovens que despontaram após o arrefecimento da pandemia. A própria escolha do gênero musical reforça que ela é ousada .
"Soulful me remete a todas as minhas personalidades: a feliz, a poderosa, a depressiva, a extrovertida, a introspectiva... Todos os sentimentos existem ao mesmo tempo. É o que eu sinto ao criar algo, e nada se compara a isso. Está ligado à alma, mas não num sentido religioso, e sim no sentido do que você é, sente, e o que te deixa vivo", completa Juliane.
Nenhum comentário:
Postar um comentário