O termo rock clássico surgiu para desqualificar bandas e restringir o alcance artístico de muitas delas. A dura declaração é de Ian Gillan, vocalista do Deep Purple, durante entrevista a uma rádio da África do Sul em 2005.
De acordo com o cantor, com essa rotulação, muitos artistas ficaram automaticamente confinados no passado, sem a "chance" de poder mostrar novos trabalhos e atingir outros públicos, principalmente os mais jovens. "Em muitas entrevistas ou encontro com fãs, as pessoas só querem saber de 'Smoke on the Water' e 'Highway Star'. Ignoram, às vezes de propósito, nas novas canções que lançamos."
O "classic rock" (rock clássico, em inglês) foi uma muleta inventada nos Estados Unidos para tentar atrair um público mais velho para consumir CDs, DVDs e ouvir emissoras de rádio segmentadas. Apareceu no final dos anos 80 e pretendia restringir as programações e propagandas ao rock lançado entre 1960 e 1985.
A principal cadeia de rádios que encampou esse modelo tinha o nome genérico de Kiss FM, que foi exportado para muitos lugares e aportou no Brasil em 2006, em São Paulo - expandindo-se a partir de então para várias cidades, sob o comando da matriz paulistana. Hoje a programação está mas variada, mas alicerçada no rock clássico e tocando quase sempre as mesmas canções.
Se a queixa de Gillan for válida, então temos mais um termo para desqualificar o já desqualificado rock clássico, que hoje engloba de Beatles a Nirvana, de Pink Floyd a Foo Fighters. E então surge o "daddy rock" (rock dos pais, em inglês), o rock que é ouvido e curtido pelos pais dos jovens de hoje.
Estamos falando de pais que têm ao redor de 40 ou 50 anos, que curtiram coisas como Radiohead, Coldplay, The White Stripes, Arctic Monkeys, Muse, Foo Fighters e as bandas do chamado "nu metal".
Se o "daddy rock" for levado a sério, então o rock clássico é o quê? Rock do avô? E o blues tradicional, aquele de B. B. King e Muddy Waters? Som do bisavô?
Há quem defenda que essa nova "desqualificação" é coisa de quem realmente não gosta de música, uma espécie de efeito colateral da chamada "audição ansiosa" em que os jovens atuais ouvem apenas um minuto, se tanto, das canções de seus "supostos" artistas favoritos e logo trocam de canal ou de música.
Uma rápida enquete em algumas escolas de música dedicadas ao rock na Grande São Paulo mostra que, aparentemente, o "daddy rock" passa longe de suas salas de aula. A garotada de até 18 anos que as frequenta tem a devida reverência ao rock clássico e ás bandas que fizeram sucesso no final dos anos 90 e anos 2000. Praticamente ninguém ouviu falar do termo.
Ainda que não muito disseminado, ao menos no Brasil, o "daddy rock" é citado ali e aqui, e provavelmente não surgiu para desqualificar, mas apenas como sintoma de m conflito de gerações, da mesma forma que os confrontos rock x jazz de big bands, nos anos 50, Beatles x rockabilly, nos 60, tropicália x bossa nova, jovem guarda x samba, punk x rock progressivo/rock dinossauro, grunge x hard rock, rock brasil 80 x MPB e por aí vai.
O duro é admitir que o tempo passou e não percebemos em toda a sua plenitude - ou, pior: pode se tratar da reusa em admitir que ficamos velhos. Até outro dia debatíamos a qualidade de álbuns de estreia de bandas como The Strokes, Snow Patrol, Arctic Monkeys, Korn, Linkin Park, Slipknot, Sublime, No Doubt e muitas outras. E isso já faz, 20, 25 anos.
Outro efeito colateral que cai diretamente sobre a cabeça dos jovens atuais - Nirvana, criado há 35 anos e com estouro mundial ocorrido a partir de 1991, não passa de ma velharia, sendo que seu guitarrista/vocalista/líder é desconhecido para parte expressiva dessa geração.
Quem poderia imaginar que o aríete que demoliu um estado de coisas em 1991 seria colocado na prateleira de relíquias sonoras da humanidade, em (boa) companhia de The Clash, The Jam, The Smiths, MC5, The Stooges, Velvet Underground, Frank Zappa, The Doors, Bad Company...
Se é inevitável coo expressão da passagem do tempo, cabe a quem gosta de boa música reverter a tendência de desqualificação que acompanha esses surtos de iconoclastia, em que necessariamente o novo tem de demolir e varrer o velho.
As mortes mais recentes de astros, como Tina Turner e Jeff Beck, trouxeram de volta uma reverência há algum tempo deixada de lado pela música pop. No Brasil, as mortes de Rita Lee, Erasmo Carlos, Elza Soares, João Gilberto, João Donato e Gal Costa tiveram um tratamento muito mais do que respeitoso por parte da mídia: foram homenageados e glorificados, com seus status de gênios devidamente reforçados.
Se nos acostumamos a tratar Rita Lee, a nossa rainha do rock, como "titia" e "vovó" - ela mesma se divertia com essas qualificações -, como será quando nos referirmos a Madonna ou Cyndi Lauper com vovós do pop, ambas já passadas dos 60 anos de idade (sessentões hoje são considerados "maduros", e não "idosos")? Será que vamos nos acostumar a isso? É bom lembramos que uma das maiores divas e símbolos sexuais do rock, Debbie Harry, cantora do Blondie, está com 78 aos...
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