Um templo do rock da cidade de São Paulo está ameaçado pelo aumento da insegurança na região central, atualmente assolada por vários tipos de crimes e pela impunidade geral. Não bastasse a fuga de público da Galeria do Rock pelos roubos e furto do entorno, agora é a vez o Hangar 110 ficar na expectativa da "transferência" da Cracolândia para o bairro do Bom Retiro.
Essa é a ideia do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), um dos nomes mais proeminentes da extrema-direita atual. Ele surpreendeu até o aliado Ricardo Nunes (MDB), prefeito da capital, ao comentar em uma entrevista a ideia de levar os viciados em drogas que perambulam pela região central para uma área próxima a um complexo de assistência social e médica que fica na rua Prates.
Esse complexo fica próximo à importante rua comercial José Paulino e à rua Rodolfo Miranda, onde está a casa de shows Hangar 110 e importante ligação entre a estação de metrô Armênia-Ponte Pequena e o bairro do Bom Retiro.
Para quem tem pouca familiaridade com a Cracolândia: é uma concentração de usuários de crack e cocaína, geralmente sem-teto, que se aglomeram em pontos da área central de São Paulo.
Dependendo da força da repressão policial, podem se mover para o entorno da Estação da Luz, que é um entroncamento de linhas ferroviárias urbanas, na área da praça Princesa Isabel, que é perto da estação, ou nas travessas da avenida Rio Branco. Quando provocados pela polícia, os usuários saem depredando carros e prédios na região, além de praticar roubos, furtos, arrastões e saques.
A Craolândia existe há 30 anos e nenhum governo estadual ou municipal chegou perto de resolver a questão. É caso de saúde pública, mas também de segurança pública, já que a integridade das pessoas está em jogo, dos dois lados, além das evidentes consequências econômicas.
A possibilidade do fluxo da Cracolândia ser movido á força para a rua Prates, no Bom Retiro, já está provocando reações dos comerciantes e moradores do Bom Retiro, que temem a decadência rápida e acentuada da região á semelhança do que ocorreu nas imediações da rua dos Gusmões e da rua Santa Ifigênia, esta um dos maiores polos de comércio eletroeletrônico da América Latina.
O Hangar 110, uma das casas mais tradicionais de shows da cidade, notadamente dedicada ao metal extremo e ao punk rock, corre risco de ver a fuga de público com a "chegada" da Cracolãndia, pois fica a cerca de 500 metros do complexo da rua Prates.
O temos é de que o público comece a minguar, como vem ocorrendo na Galeria do Rock, centro comercial que fica a pouco mais de 500 metros de outros pontos de concentração de usuários de drogas da Cracolândia.
As preocupações são legítimas, já que o Hangar 110 está se recuperando do período da pandemia de covid-19 e de problemas administrativos que chegaram a decretar o seu fim há alguns anos. é uma casa importante e fundamental para o cenário underground de São Paulo.
Nenhum responsável pela casa falou sobre o assunto até agora, até porque é muito recente. Entretanto, no meio roqueiro e entre moradores do Bom Retiro, a questão está sendo debatida nas redes sociais de forma acirrada e apaixonada, com boas doses de preconceito e falta de empatia e solidariedade.
Era inevitável que isso tomasse grandes proporções, á que o problema da Cracolândia só piora. A ideologização da abordagem contamina o debate e paralisa as ações públicas.
A extrema-direita, para quem todo pobre e viciado em drogas é bandido, a questão é de segurança passível de dura repressão; a esquerda e a extrema-esquerda preferem ua abordagem social - necessária - de acolhimento e tratamento, mas rejeitam quase que completamente ações que convolvam o combate ao crime e a repressão firm ao tráfico de drogas. O que fazer então?
É consenso entre os especialistas que o poder público falha, e muito, ao abordar a questão. Não investe o suficiente na prevenção e no tratamento e é leniente demais no combate ao tráfico de drogas, que se esbalda ao vender crack para os miseráveis e sem-teto.
O programa mais recente com melhores resultados foi o "Braços Abertos", na gestão do prefeito Fernando Haddad (PT, 2013-2016), que previa a retirada dos usuários das ruas por meio do pagamento de salários em troca de zeladoria urbana e alojamento em quartos de hotéis baratos no centro, uma espécie de aluguel social. No auge, o número de pessoas na Cracolândia caiu de 2 mil para 500.
Se não era perfeito e passível de críticas dos conservadores, o "Braços Abertos" mostrou que era possível reduzir os danos com uma abordagem mais sensível e humanizada. Infelizmente, o prefeito João Doria (PSDB, 2016-2018) acabou com o programa e o substituiu por outro, o "Redenção", que fracassou logo no início.
Vereadores petistas da cidade São Paulo alegam que o "Braços Abertos" não teve nenhuma boa vontade do governo estadual então dominado pelo PSDB.
As Polícias Civil e Militar, administradas pelo governo estadual, à época comandando por Geraldo Alckmin (hoje vice-presidente), pouco fizeram para combater o tráfico que fornecia drogas para os usuários - aparentemente, por incompetência, por mais que não possamos desprezar os componentes político-ideológicos.
Já os vereadores conservadores que sempre apoiaram os prefeitos Doria, Bruno Covas (PSDB-2018-2020) e o atual, Ricardo Nunes, sempre atacaram a "abordagem social" da esquerda, preferindo criminalizar os usuários - vítimas que são doentes - além dos traficantes.
No entanto, nunca criticaram a ineficiência das ações policiais dos governos do PSDB, que governaram São Paulo entre 1994 e 2022 - os fundadores do partido eram do antigo PMDB e governaram o estado desde 1982, ou seja, ficaram no poder por 38 anos.
A questão é sensível e envolve a tomada de decisões impopulares, as necessárias. Para onde quer que seja deslocado, o fluxo da Cracolândia provocará protestos, prejuízos econômicos e muita falta de compreensão e empatia. Só que os efeitos das mudanças são imediatos e ruins em quase rodos os sentidos. E há um fato incontestável: o comércio do Bom Retiro será afetado e, sim, o Hangar 100 corre risco.
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