quinta-feira, 6 de julho de 2023

Roqueiro não deve falar de política? Diga isso a algumas das melhores cabeças do nosso rock

Ainda repercutem em algumas redes antissociais  os "protestos" contra artistas de rock que "insistem" em "falar de política" em vez de apenas cantar sobre o amor, borboletas e o céu azul. 

Um(a) gaiato(a) qualquer ousou fazer um "levantamento" e constato que "90% dos que protestaram têm alguma simpatia ou queda pela extrema-direita ou são ultraconservadores de viés fascista - e, por consequência, nutrem alguma admiração pelo nefasto Jair Bolsonaro (PL);

Desde o Rock in Rio 2022 o alvo preferencial têm sido as bandas Black Pantera, de thrash metal, e Affront, que mistura thrash e death metal.

Os mineiros da Black Pantera ganharam muita visibilidade com o álbum "Ascensão" com suas músicas de forte apelo político e de protesto antirracista e antifascista. Conservadores e fascistas de plantão estão enfurecidos com a música "Fogo nos Racistas", a canção mais direta e poderosa. 

Segundo essa gente ultra conservadora, o trio de músicos negros "incentiva a violência e a rebelião social, quando não a insurgência contra o Estado, cometendo vário tipos de crimes". Então quer dizer que racismo pode e deve ser tolerado, mas combatê-lo é "incentivar a violência"?

Nos últimos meses vários artistas têm subido o tom e explicitado cada vez mais os seus pontos de vista em favor da democracia, do progressismo, da valorização dos direitos humanos, contra o fascismo e o utraconservadorismo. Vamos dar uma repassada nas principais declarações:

* Nando Reis, ex-Titãs, no Allianz Parque, durante a turnê "Titãs Encontro", que reuniu sete integrantes da formação clássica:

"Tão alegre e tão emocionante quanto reencontrar meus amigos é a importância e o prazer de tocar junto com eles músicas que fizemos há muito tempo, décadas atrás… E a importância delas fica evidente dada a forte comunicação que ela tem com o que penso hoje, com o que nós pensamos hoje e, de forma até assustadora, com o que é o Brasil. O Brasil, logo depois da redemocratização, quando basicamente começamos, tinha ali uma promessa de futuro, tinha uma sombra de passado, uma perspectiva. E, de certa maneira, vivemos um quadro aterrador nos últimos quatro anos que faz com que esse reencontro tenha também conexão com o momento onde escrevemos aquelas canções. Por isso, elas estão ainda mais fortes, mais firmes, atuais e expressam aquilo que sempre acreditamos e estamos aqui para reiterar."

Fernanda Lira, baixista  vocalista da Crypta, em entrevista ao canal de YouTube do jornalista Gustavo Maiato, que escreve para o portal Whiplash:

- "Não tem como não se engajar com o que acontece ao nosso redor, então os temas políticos estarão sempre no meu radar e nas minhas letras. Eu abordei a fome no primeiro álbum da Crypta, um problema crônico mundial; abordei a questão dos refugiados no mundo falando da chamada síndrome da resignação. Tem histórias sobre a colonização das Américas, com a invasão dos europeus e de como isso impactou a vida das mulheres indígenas e, depois, negras - coisa que está literalmente, no DNA dos povos das Américas. Em 'Starvation' a letra fala da fome e de suas consequências nefastas. Era o período de pandemia de covid-19 e vi como a fome afetou as pessoas vulneráveis, sem emprego, sem dinheiro. Ajudei a distribuir comida e cestas básicas no meu bairro. E o contexto da pandemia foi mais destrutivo e arrasador por conta do péssimo governo que tivemos entre 2019 e 2022, que aprofundou o problema da fome."

"O governo Jair Bolsonaro colocou o Brasil de novo no Mapa Mundial da Fome. Convivi com a fome todos os dias. Fiquei com o coração amassado, muita gente não sabe o que é sentir fome. O engajamento é quase que automático de acordo com o meu histórico de vida e com o meu pensamento político. Sou muito criticada em meus perfis pessoais das redes sociais por posts a respeito de engajamento de esquerda e falando de Lula. Não gostaram? Parem de me seguir, mudem de canal. É simples. A política sempre fez parte da minha vida. Então não tem jeito."

"Estou sempre falando sobre política. Inclusive por anos fui antipetista e anti-PT, votava em políticos do PSDB, tinha um pensamento meio de direita mesmo, admito isso. Tudo virou quando não gostei do que fizeram com a Dilma Rousseff (presidente entre em 2011 e 2016). Sua queda foi um absurdo e aí meu pensamento deu uma virada e hoje eu me identifico com o campo progressista. E ainda houve o governo Bolsonaro. Não dava para ficar indiferente diante de um governo que simpatizava com comportamentos racistas, misóginos, de depredação de direitos indígenas, de ataques ao conhecimento, à educação, às artes. Respeito quem pensa diferente, mas não vejo como eu poderia me calar diante disso."

+ Charles da Gama, guitarrista e vocalista da Black Pantera, em entrevistas á revista Carta Capital e ao podcast "Superplá", de João Gordo:

- "Nosso show sempre será antirracista e antifascista “Relatamos coisa que a gente vivencia no nosso dia a dia. A gente mora em periferia. Eu mesmo recebi muita batida policial voltando da escola. Isso vai gerando uma revolta. A gente usa a arte para se expressar  “A situação ficou cada vez pior. Porque aquele que era racista velado ganhou força. A gente não ia deixar isso barato. O show do Black Pantera é antirracismo e antifascismo total. Isso não é de hoje, mas agora está gritante. A gente está para combate. “esse negócio de ficar em cima do muro não dá."

"E esse negócio de ser Bolsonaro e antirracista não existe. “Não dá para ser bolsonarista e ser antirracista; essas paradas não andam juntas . A gente tinha uma noção, mas com o Black Pantera abrimos a mente e descobrimos um mundo que a educação brasileira não privilegia, mostra superficialmente”, explicou. “Com isso, as pessoas não sabem o que os ancestrais representam e acabam indo na ideia de que tudo é vitimismo e meritocracia. Não fode o nosso rolê que é pesado."

"É importante se posicionar para que a gente incentive uma galera. Pegamos esse ideal como ponta de lança e tomamos uns ‘hates’ por conta disso; principalmente agora que a banda está numa ascensão e estamos pegando uns festivais grandes como Lollapalooza e Rock in Rio. Falam que a gente está tocando para playboy, mas é muito mais fácil está dentro do sistema e falar dentro do sistema. Fazemos muita mais diferença estando lá dentro." (Rodrigo Pancho, baterista da Black Pantera).

* João Gordo, vocalista dos Ratos de Porão, em declarações aos portais Splash (UOL) e Uai:

- "Eu estou vivendo nesse mundo na necropolítica [nome do mais recente álbum dos Ratos de Porão] por todos os lados. Então, não tem como eu desviar o assunto [política e protesto]. A temátia sempre foi essa desde a primeira música do primeiro disco da banda. Não é que eu sou contra as coisas, eu narro o que eu sinto e vivo ao meu redor. Você ouve uma música dessa e pensa o quê? Que ela foi escrita para o Papa Francisco? Claro que não. Eu estou vendo acontecer na minha frente uma distopia monstruosa e a estou descrevendo. A música é para ele [Bolsonaro] mesmo. Esse é um disco que descreve esse momento distópico em que estamos vivendo. Eu escrevo assim, cara. Vou falar sobre São João? Sobre a poluição do plástico? Não tem como não falar sobre o que está acontecendo ao meu redor. Necropolítica é a política que a gente tem, é o que o Bolsonaro faz: os políticos sabem e escolhem quem deve morrer e quem deve viver. Claro que morreu 'bolsominion' para c****** nessa, mas pelo menos metade desse número de mortos poderia ter sido salvo se não fosse o negacionismo do governo."

* M. Mictian, Baixista e vocalista da banda Affront, em declarações ao site Road to Metal:

"Quando comecei a escrever o disco "World in Collapse", eu tinha observado que pelo mundo muitos países (Austria, Polônia, Itália, Hungria, Brasil...etc) tinham candidatos políticos de extrema-direita e que essa praga crescia no mundo inteiro, então a única coisa que veio a minha cabeça foi um colapso global, e muitos deles acabaram eleitos, foi algo que se concretizou. Claro que o mundo sempre teve enormes problemas, e políticos gananciosos como de praxe, mas essa crescente me chamou a atenção naquele momento e me assustou muito confesso, e o título surgiu assim nesse medo permeado por dúvidas quanto ao futuro do mundo, e a concepção da capa também seguiu essa ideia."

"Eu me posiciono sempre, não tenho medo não tenho vergonha, quem quiser que o faça também. Eu nasci numa favela, num barraco de madeira em cima de valão e não devo nada a ninguém, eu sempre vou me posicionar, se eu ver injustiças, racismo, preconceito e discurso de ódio, pode ter certeza que sempre irei contra. Agora tem pessoas que se sentem acuadas e outras que apoiam tais atitudes dos atuais governantes, eu acho errado não se posicionar contra o autoritarismo eu não irei abaixar a cabeça, haja o que houver."

"A humanidade caminha para que não haja amanhã, com um consumismo desenfreado, destruição do meio ambiente e destruição do próprio ser humano, violência gratuita, adoração de mitos... é um pacote de mazelas, desgraças e horror a qual o ser humano está impondo ao mundo e a sua própria existência, caminhando a passos largos para sua destruição."

* Bruno Maia, guitarrista e vocalista da banda Tuatha de Danann, aos sites Combate Rock e Commusica:

"A música mais recente da banda é 'The Nameless', que é inspirada, em parte, nas ideias do filósofo alemão Walter Benjamin, em suas 'Teses Sobre o Conceito de História'. Na letra tentamos trazer os excluídos, dos dominados e os derrotados para o centro e para o foco da obra. Para Benjamin, só é possível haver justiça social e real se houver uma justiça histórica e de memória. De certa forma, algumas dessas ideias estão em 'In Nomine Éireann', nosso mais recente álbum em que resgatamos canções tradicionais irlandesas, muitas delas com letras de protesto e de resistência. Com o que vivemos nos últimos anos, por conta da guinada conservadora, as analogias com a realidade brasileira em nossos trabalhos recentes fazem sentido."

* Tico Santa Cruz, vocalista da banda Detonautas Roque Clube, no portal UOL e nas redes sociais:

"Em 2018 eu lutei com todas as minhas forças pelo voto ÚTIL no @cirogomes e todo mundo sabe disso!Estou mantendo a coerência - quem pode vencer o MONSTRO é o @LulaOficial então o voto não é apenas útil é pragmático, por sobrevivência e pela democracia. Simples assim". [Mensagem escrita durante as eleições de 2022]

"Temos uma sociedade totalmente desigual. Um sistema político, econômico e social extremamente complexo. Essa transformação não será conduzida por ninguém. Não adianta criar expectativas, pois vão continuar se frustrando. É preciso se organizar coletivamente primeiro. O principal foco é defender a democracia, deixando um pouco de lado os candidatos e olhando o cenário em que existe uma ameaça real em relação às falas sistemáticas contra instituições democráticas, urna eletrônica e sistema eleitoral. [...] O ódio entre as pessoas é muito perigoso."

Nenhum comentário:

Postar um comentário