Nas costumeiras entrevistas coletivas engessadas e previsíveis que envolvem grandes nomes do rock mundial, algumas se destacam pela inutilidade total e pela presença de penetras. Jornalistas se veem obrigados a dividir espaço com imbecis que estão ali apenas por serem fãs, que "baba ovo" e fazem perguntas igualmente imbecis, atrapalhando a divulgação do evento e do lançamento.
Em um desses eventos meio micados, Lars Ulrich, baterista do Metallica, ficou meio constrangido quando um fã brasileiro perguntou como ele se sentia sendo responsável pela "criação" de um novo gênero musical, ou subgênero, no caso o thrash metal.
Meio surpreso, ele sorriu largamente e respondeu que nem nos melhores pensamentos ele e seu companheiros de banda tinham a noção de que o som deles se tornaria tão importante a ponto de abrir as portas para o surgimento de uma "nova denominação".
Ele se referia a "Kill'Em All", o álbum de estreia do Metallica, surgido há 40 anos para demolir mentes e derrubar estruturas, levando adiante a agressividade e a potência sonora do então ao heavy metal mais puro praticado por bandas inglesas Iron Maiden, Saxon e Judas Priest.
A ideia era expandir os limites da "sujeira" e da brutalidade inaugurada por outra banda britânica, o Venom, considerado o pai do thrash, do death e do black metal.
Diante das controvérsias sobre quem inventou o metal extremo, convencionou-se dizer que o Venom abriu as portas e o Metallica formatou a ideia, seguido pelos conterrâneos californianos Slayer, Exous, Death Angel, testament e muitas outras bandas.
Para muita gente sem acesso ao underground inglês, foi o Metallica que escancarou os portões do inferno e fez emergir um som demoníaco, avassalador, potente e brutalmente pesado, acelerando o metal incorporando a sujeira do punk e do hardcore.
As letras pesadas e densas davam um charme diferente a uma devastação sonora até então sem precedentes, apostando em um barulho ensurdecedor como estética de arte agressiva e destruidora.
Se Ulrich e os colegas não tinham muita noção da importância do que estavam criando, sabiam, por outro lado, que era um avanço em relação ao que o movimento punk tinha proposto na década anterior.
Havia a mesma rebeldia e o mesmo oinconformismo, com um senso de não pertencimento a uma sociedade em constante movimento e mudança, mas com focos de resistência conservadores.
A diferença é que os punks se autoconsumiram em uma imensa pira de autodestruição, enquanto os "headbangers" miravam o rock pesado britânico, que pretendiam durar mais que os punks propondo novos parâmetros estéticos, refinando a música a ponto de estabelecê-la como uma arte de vnguarda.
Neste ponto, Ulrich assume que havia sim, em 1983, uma certa ambição estética no som agressivo e rebelde de uma juventude desamparada e desprovida de modelos artísticos originais e que pudessem chamar de seus.
E então ocorre a cisão em um espaço dominado pelo glamour e pela onda reformista inspirada na indústria do cinema.
De um lado aparecem os jovens que enxergam na sofisticação yuppie/hedonista um ideal de vida, com a explosão do hard rock e da volta do glam rock; do outro lado, a a rebeldia de inspiração punk e do resquício da crescente violência urbana em bairros periféricos, com uma falta de perspectiva de ida para os jovens parecida com o que os ingleses observaram na década anterior, época de desemprego em alta e alastramento da pobreza na região metropolitana de Londres.
"Kill'Em All" é produto desse caldeirão de influências e circunstâncias que moldaram parte do pensamento jovem das Américas nos anos 80, com os temas dilacerantes e violentos abordados por bandas pesadas como Slayer, Possessed, Exodus e o próprio Metallica.
O álbum ainda estava longe do refinamento de "Master of Puppets" e da sofisticação de "...And Justice For All". Era mais cru e abusava de uma violência estética e sonora até certo ponto calculada, mas extremamente eficiente a ponto de impulsionar o quarteto para liderar aquele "movimento" jovem.
Em um mercado em constante mutação, o Metallica chamou a atenção por sua agressividade e pela extrema honestidade com que abordava temas complicados. Logo todos os selos amis "descolados" queriam ter a sua banda "extrema e violenta", abrindo caminho para o slayer e todas as outras bandas da Bay Area, de San Francisco.
Curiosamente, muitos especialistas resistem a estabelecer "Kill'em All" como um marco histórico do rock e do heavy metal, em relutantes análises que tentam colocar o isco no mesmo balaio de "Black Metal", do Venom.
A banda inglesa foi a grande influência, mas o pontapé inicial para a tempestade de violência, sangue e porrada sonora de "Kill'Em All" e com a sua sequência extraordinária, "Ride the Lightning", de 1984.
Para uma banda que propunha um som diferente e a estabelecer, ainda que de forma meio acanhada, outros padrões estéticos de som pesado, confeccionar um disco tão contundente era mais do que uma vitória para garotos de 19 e 20 anos de idade.
Ninguém na época esperava por coisas como "The Four Horsemen", um hino apocalíptico e ultrapesado peara os padrões da época, assim como a violenta "Whiplash".
Tinha também a belicosa "Hit the Lights" e a amargurada "No Remorse", que abusavam de riffs hipnóticos e bem construídos, além da insana e declaração de guerra ao mundo "Metal Militia" e do hit supremo do metal de todos os tempos "Seek and Destroy", clássico dos clássicos do thrash metal.
O Metallica pode se vangloriar de ter feito história logo em sua estreia fonográfica, algo que somente Beatles e Ramones podem se orgulhar dentro do rock A importância de "Kill'Em All" ainda está por ser estabelecida e reconhecida como o ponto de partida para as vertentes mais extremas do rock e do metal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário