terça-feira, 15 de junho de 2021

As leis que valem para todos e as que não valem para os 'mais iguais'

 Marcelo Moreira

FOTO: MARCOS CORRÊA/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA

A pandemia de covid-19, que mudou o mundo há 15 meses, testou todos os limites da solidariedade e da empatia, ao mesmo tempo em que despertou o pior do egoísmo e do individualismo. 

Não há como medir o desespero e as necessidades de cada um neste período de trevas, mas é possível enxergar e compreender algumas posturas, e também uma série de comportamentos repugnantes e deformações de caráter.

Se a solidariedade é motivo de orgulho e esperança, o individualismo e a falta de empatia transformam muitos empresários, comerciantes e artistas em seres execráveis ao defender a economia funcionando em detrimento da saúde pública e nenhuma medida de restrição social, como defende o ser nojento que ocupa da Presidência da República.

Compreende-se o desespero com a falta de trabalho e de renda causadas pela pandemia, mas é inaceitável que gente que se supunha minimamente inteligente advogue a favor da morte por conta de seus problemas pessoais.

Ignorar a pandemia e defender a volta de shows presenciais, por exemplo, em um momento em que os hospitais voltam a ficar lotados, com aumento exponencial das contaminações e das mortes, é criminoso. 

Desde sempre sabemos que as áreas de entretenimento, gastronomia e cultura foram as primeiras a serem atingidas pelas consequências econômicas e as mais sacrificadas. E, pela natureza do negócio, serão as ultimas a se recuperar ou a se tornar prioridades. 

Se o preço para que fiquemos vivemos é não saber quando, e se, voltaremos aos shows presenciais, que assim seja. Se nunca mais pisarmos em um estádio para ver rock, então que assim seja.

Por isso é que me chamou a atenção o depoimento de um jornalista veterano nas redes sociais a respeito de como está enfrentando a pandemia e como lida com fato de que um de seus filhos, que é músico, estar sofrendo diretamente com as consequências da pandemia - e que embute um desabafo contra a gestão trágica do enfrentamento à doença por parte de um governo genocida e incompetente.

A reprodução do depoimento de Nelson Nunes, com passagens por Diário Popular/Diário de S. Paulo e Rádio Jovem Pan, é importante porque é lúcida, entende o momento pelo qual estamos passando e sofre pelas dificuldades que o filho está passando, mas que não há como remediar, ao menos por enquanto:

Meu filho é músico independente. Trabalha com eventos e sobrevive de pequenos shows, festas e agitos culturais em bares, casas noturnas, residências particulares.

No cenário que temos hoje, e na realidade que vivemos há um bom tempo, ele está há quase dois anos sem ganhar um tostão, sem receita do seu trabalho por estar impedido de atuar em sua área. Se ele juntar mais de 50 pessoas, certamente será multado. 

Pior: corre o risco de passar a noite na delegacia, se a tal força-tarefa do governo, liderada pelo deputado-pornô Alexandre Frota for acionada. 

Eu tento explicar para o meu filho, todos os dias, que ele precisa ter paciência, que todos nós temos de fazer esse sacrifício para o bem coletivo, que somos razoavelmente esclarecidos para seguir o que dizem a ciência e os cientistas que estudam esse maldito vírus. 

Na medida do possível tento ajudar em sua sobrevivência. Pago o aluguel, faço uma compra de supermercado, levo uma comida na casa dele de vez em quando… 

Aí hoje acordei me perguntando como faço para seguir aconselhando meu filho a continuar respeitando as regras do jogo duro impostas pela pandemia se o presidente da República passa seus sábados passeando de moto, convocando e reunindo milhares de pessoas sem máscara, sem vacina e sem protocolos de segurança? 

E me questiono: onde estava a força-tarefa da Covid SP que não foi lá “acabar com a festa” e levar todo mundo pra delegacia, como fez na noite em que “quebrou” o cassino clandestino no qual estava o Gabigol? 

Onde estava a Policia Militar do governo Doria que, ao invés de ir la para “botar ordem na casa” deu apoio para a passagem tranquila do presidente e sua trupe de “motobois”? 

Por que a Policia Rodoviária permitiu que algumas motos do festim circulassem livremente por quase todo o tempo em rodovias com as placas encobertas? 

Se eu, para escapar do rodízio, cobrir também a placa do meu carro com fita isolante eu terei a mesma condescendência? Ou essa porra de lei vale para todo mundo ou não vale para ninguém. 

O presidente vive dizendo que o Brasil está acima de tudo e Deus acima de todos…mas ele, como cidadão não deveria estar acima da lei. 

O que ainda falta para esse sujeito ser julgado, condenado e culpado pelos seus atos, muitos dos quais confirmam diariamente seu escancarado desejo de brincar com a morte dos outros?

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