quinta-feira, 10 de junho de 2021

Jon Lord, 80 anos: um artista que conferiu excelência ao rock

 Marcelo Moreira




O tecladista Jon Lord sempre foi um músico ambicioso. Homem inteligente e culto, amante de música erudita e de concertos para piano de compositores como Beethoven e Bach, imaginava que conseguiria fazer sucesso indo além do rock que se fazia no mundo nos anos 60. 

Quarenta anos depois, ele reeditou sozinho, sem a banda que criou e o ajudou, o Deep Purple, o que ele considera o grande trabalho de sua carreira, o “Concerto for Group and Orchestra”.

Ele não chegou a ver o resultado em CD e DVD. Morreu antes, em 2012, de câncer no pâncreas, aos 71 anos. O trabalho reeditado, com a participação também da Royal Liverpool Philarmonic Orchestra, teve a condução de  Paul Mann, o mesmo que foi responsável pelos shows de 1999-2000. Foi a sua última atuação, que soa como uma imensa homenagem.

Se estivesse vivo, faria 80 anos em 2021. Seu nome é frequente nas listas de melhores tecladistas que já passaram pelo rock, ao lado dos de Rick Wakeman um, bom amigo e discípulo, e Keith Emerson, uma espécie de rival.

Embora meio fora da turma naquela década de 60 por ser um músico erudito e mais velho, Jon Lord admirava a garra e a disposição dos garotos como Rolling Stones e Who, bem como a audácia do Pink Floyd e do Moody Blues. Também reverenciava a reviravolta que os Beatles deram na carreira com os álbuns “Revolver” e “Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band”, que achava excelentes.

Entretanto, quase chegando aos 30 anos de idade e considerado um maestro respeitado, imaginava-se fazendo algo novo e mais “avançado” no rock e na música popular, bem diferente do que se fazia na Inglaterra pelos meninos – era mais velho do que a maioria, embora mais jovem do que Bill Wyman (Stones) e John Mayall.

E foi na companhia de um gênio inquieto e irascível, o guitarrista monstro Ritchie Blackmore, que Lord montou o Deep Purple em 1967 após uma rápida excursão à Alemanha. Era a melhor companhia para traduzir as suas peças que misturavam diversas influências pop e eruditas, com a ajuda também do inigualável baterista Ian Paice e suas influências de jazz e blues.

Os três primeiros álbuns da banda, que enveredavam pelo rock psicodélico, tiveram desempenhos apenas razoáveis nas paradas e nas vendas. Havia boas doses de ousadia, mesclando música de vanguarda, com um pé no pop norte-americano e outro no rock progressivo dominado pelas linhas intrincadas de teclado de Lord e pelas melodias etéreas e criativas.

A grande chance

Quando Blackmore deu um ultimato para que houvesse uma mudança de rumo, incluindo a troca de vocalista e baixista (Rod Evans e Nick Simper, respectivamente), Lord achou que era a hora de dar a tacada final em seu projeto grandioso de elevar o rock à categoria de arte e misturar música erudita com o pop, indo além do que o rival Keith Emerson estava fazendo com sucesso no The Nice.

Blackmore topou dar mais uma chance e o maestro comandou as gravações do magnífico – e incompreendido – “Concerto for Group and Orchestra”, lançado em 1969 já com as presenças, ainda que tímidas, de Ian Gillan (vocais) e Roger Glover (baixo), ambos vindos do Episode Six.

A Royal Philarmonic Orchestra, de Londres, que acompanhou o grupo, foi regida pelo maestro Malcolm Arnold sob as orientações de Lord, autor da parte final do álbum, gravado no Royal Albert Hall, que constava de três movimentos – “First Movement: Moderato-Allegro”, “Second Movement: Andante” e “Third Movement: Vivace-Presto”, com letras de Gillan.

Jon Lord com o Deep Purple em 1972, sentado, à direita (FOTO: DIVULGAÇÃO)
 

O álbum duplo ainda continha uma obra de autoria de Arnold, a “Symphony nº 6”, e ainda os três primeiros rocks gravados por Ian Gillan com o Deep Purple- “Hush”, uma versão para um clássico de Joe South, “Wring that Neck”, um instrumental da época que Simper ainda tocava, e o megaclássico “Child in Time” ao vivo, com 12 minutos, que também estaria no álbum “In Rock”, de 1970.

A crítica especializada em música erudita espancou o álbum, apontado suposta “falta de qualidade e ausência de senso estético”. Os roqueiros apontaram o que chamaram de “arrogância, prepotência e ambição desmedida” para desqualificar a obra.

Foi a deixa para que Ritchie Blackmore tomasse as rédeas do Deep Purple e o transformasse no gigante do hard rock dos anos 70, com a sua guitarra assumindo a condução dos trabalhos e das composições. Resignado, Lord aceitou a nova situação e contribuiu brilhantemente para alguns dos hinos do rock.

Com o final da banda, 1976, tentou montar um grupo de rock progressivo com o companheiro de Purple Ian Paice, o baterista mágico e polirrítmico. 

O baixista e guitarrista Tony Ashton se juntou ao grupo, que virou Paice, Ashton and Lord. O trio gravou um único LP e logo se separou. 

Contra a vontade, Lord ainda passou alguns anos no Whitesnake, a convite de David Coverdale, antes de ajudar a organizar a volta da formação clássica ( conhecida como mark II) do Deep Purple, em 1984.

Celebração

Quando a obra erudita do Deep Purple completou 30 anos de lançamento, o o grupo, já sem Blackmore, decidiu voltar ao Royal Albert Hall e reunir-se novamente com a London Royal Philarmonic Orchestra para celebrar a (de certa forma) menosprezada e subestimada obra de 1969.

Gravado ao vivo, com público lotando o local e vários convidados, entre eles Ronnie James Dio e o cantor inglês Miller Anderson, rendeu um álbum ao vivo de sucesso e uma turnê mundial em 2000, que passou pelo Brasil. Em cada local uma orquestra foi especialmente preparada para acompanhar a banda.

Durante entrevista a uma emissora de TV brasileira, Lord declarou que aquela turnê era a melhor homenagem que ele, como músico, poderia receber.

Depois da morte do mestre, um grande concerto foi organizado por amigos e encabeçado pelo Deep Purple foi realizado em Londres e dividido em dois DVDs e dois CDs duplos. 

É emocionante ver Bruce Dickinson (Iron Maiden), Glenn Hughes (ex-Deep Purple), Paul Weller, Rick Wakeman (ex-Yes) prestando a sua homenagem a um dos músicos mais conceituados e admirados da história do rock.

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