quinta-feira, 29 de setembro de 2022

Order of Destruction: evolução e identidade em surpreendente novo álbum

 Julio Verdi - do blog Ready to Rock'n'Roll

No cenário do rock brasileiro, o thrash metal sempre foi muito prolífero. Desde os anos 1980, inúmeras formações desenvolveram suas carreiras, muitas até em nível internacional, e lançaram álbuns que ficaram marcados como obras eternas da música pesada nacional. 

E muitas dessas bandas buscaram moldar sua sonoridade própria dentro dos moldes agressivos que o estilo necessita. Assim acontece nos dias de hoje com a banda paulista Order of Destruction (nativa de São José do Rio Preto/SP). Após lançar em 2017 seu primeiro EP, “Disobey”, a banda lança agora em 2022 seu primeiro full lenght, intitulado “Still We Rise”.

O álbum revisita as estruturas principais do thrash metal, como peso, rapidez e agressão. Sua sonoridade vai se constituir de elementos que vão remeter o ouvinte a produções eternizadas por nomes como Slayer, Kreator, Testament e nossa instituição mais clássica do segmento, o Korzus.

Entretanto, o grupo não abre mão de insight de bandas mais contemporâneas como Machine Head e Warbringer. Entre as modelagens das composições existe o tempero próprio da banda, como linhas vocais bem peculiares e a referências a sonoridades brasileiras.

Além da salutar busca por uma sonoridade com uma forte marca pessoal, João Gallo (vocal/guitarra base), Guilherme Henrique (guitarra solo), Airam (bateria) e João Lavinas (baixo – no álbum o baixo foi registrado por Renato Montanha, do Maestrick), conseguiram conceber um álbum com um forte impacto na qualidade sonora. A captação da bateria soa a perfeição, além do caprichado esmero nos arranjos das guitarras.

“Still We Rise”, a faixa título abre o trabalho com aquele dedilhado climático crescente que a gente sabe que vai cair na pedrada. E rifferama pesada que mescla palhetadas e bases tradicionais a licks melódicos e passagens percussivas da bateria. A levada vocal que o Slayer promovia, mas com o timbre mais limpo de João.

“The Nun” vem na cadência rápida, que remete a algumas faixas do Sepultura, do “Arise”. Alternando momentos rápidos e pesados, numa ode à mais linda agressão que o estilo pede. Em sua metade, as percussões começam a flertar com elementos brasileiros.

A primeira faixa em português, “Tirania”, vem com pegadas rápidas e com groove, não impedindo que não nos recordamos de algumas faixas na língua pátria que o Korzus produziu. A solução final, onde o refrão se repete em cadências vez mais aceleradas dá a faixa um desfecho cativante.

“No Excuses”, entre bases pesadas e pegadas quebradas da bateria, a faixa se mostra mais densa do que rápida. “Wreckage”, com suas palhetadas cavalgadas, é bem slayerana. E o pau come veloz em algumas passagens. Uma das mais pesadas faixas do disco, com até levadas blast beats no final.

Em seguida, “This is Brazil”, a faixa com a sonoridade mais polêmica do álbum. Ao longo dela, muitas referências a ritmos nacionais são inseridas na agressão pesada característica da banda. 

Começa com um trabalho de cordas com referências ao pagode de viola (modelo antigo de cancioneiro sertanejo), a seguir riffs pesados tomam conta (com boa dose de efeitos nas vozes). Baixão martelando saudavelmente. 

Aos 3 min, uma referência a baião, com cordas e percussão (que parece brincar um pouco com maracatu), conversando com o distorcido baixo. Ao final uma leve gravação parecendo um tributo a músicas interioranas. Não sei a avaliação dos puristas, mas a bandas ousou modular essa alquimia de estilos brasileiros a seu som pesado.

A seguir, uma bela surpresa, uma música instrumental, “Snakes Nest”, mais cadenciada, com um excepcional esmero no trampo de guitarras. E que pegada no trabalho de bateria.

A segunda faixa em português vem a seguir, “Santa Ignorância”, com uma ótima concepção do refrão – vai ser bem recebida ao vivo, com certeza. Riffs cortantes no início, batera à velocidade da luz. Me remete ao um álbum seminal para o metal brasileiro, “Signo de Taurus” (do Taurus, de 1986). 

Outra excepcional variação das peças da bateria. Ao final o combo batera e baixo sozinhos por alguns instantes oferecem um clima bem banger.

E o álbum fecha com “We're Completly Fucked”, uma bela nominação para uma música thrash. Bases variadas entre licks melódicos e palhetadas certeiras, numa outra pedrada que fecha o disco com a sensação de querermos ouvi-lo novamente.

Não se pode prever até onde “Still We Rise” vai levar o Order of Destruction. Agora será quase impossível alguém negar que a banda atingiu um nível de evolução latente desde o EP “Disobey” (que já mostrava um poder sonoro impactante). 

Não só na técnica dos músicos, mas também em sua capacidade de composição. Aliado a uma produção que mostrou um poder de arranjos de banda pesada veterana, o Order concebeu um grande e contagiante álbum de thrash metal, um dos melhores momentos do estilo nos últimos anos. 

E a banda está ainda no seu primeiro full álbum. Não fugiria do óbvio ao dizer que a banda tem todas as condições de ser abraçada e aplaudida por fãs dos estilos mais pesados no metal no mundo todo.

O Ready to Rock conversou com o guitarrista João Gallo sobre o álbum, a banda e seus planos futuros.

Ready to Rock - “Still We Rise” saiu depois de 5 anos do EP “Disobey”. É nítida a evolução musical de vocês enquanto músicos e compositores. Você, de dentro da banda, como sente essa evolução?

João Gallo -
Sinto como algo natural, não foi algo forçado, mas o fato de sempre estarmos atentos ao nosso próprio trabalho e buscando extrair o melhor da nossa criatividade acabou nos conduzindo à uma maturidade um pouco maior. Desde o EP tivemos muitas experiências como banda e individuais também, o que acabou fortalecendo o coletivo da banda.

RR - O novo álbum tem uma qualidade sonora fantástica. Onde foi gravado, quem produziu e mixou?

JG -
Tudo foi feito no “Gabriel do Vale Estúdio”, em Araraquara. A produção foi feita pela banda e os toques finais vieram do Gabriel, mas ele nos deixou completamente livres para explorarmos tudo o que tínhamos vontade, e isso foi fundamental para a obra. Ele tem um ouvido e uma sensibilidade muito ímpar nesse gênero, caminha a passos largos para ser um grande nome do metal no Brasil, porque a qualidade da mix e master dele estão tranquilamente no padrão gringo, além de ser um baita cara legal e fácil de se lidar, se tornou um amigo.

RR - O elemento “brasilidade” se mostra presente em meio a algumas músicas, como “The Nun” e “This is Brazil”, sem, no entanto, desviar a proposta pesada do thrash da banda. Qual a importância desse elemento para a música do Order?

JG -
Nós nunca quisemos fazer mais do mesmo no metal, e de uns anos pra cá - pelo menos desde 2018 - eu e o Airam nos voltamos muito para a parte cultural do país. Ele é um baita fã de Sepultura, uma banda que sempre olhou com carinho pros elementos do Brasil, e eu passei a pesquisar muito sobre Viola Caipira e elementos do interior do Brasil. Como nosso meio de expressão artístico é a música, seria impossível não colocar esse elemento no “Still We Rise”, estando tão ligados ao tema.

RR- Em “This is Brazil” existe o levante dos elementos musicais da cultura brasileira. A música também foca o lado social do país?

JG -
Sim, a proposta dela é realmente mostrar o contraste que o Brasil tem, por isso a intro é tão particular. A letra tem o intuito de dar ênfase ao quão bom esse país pode ser, e o quanto a gente pode perder por não dar valor a isso. Não existe nenhuma pegada política nela, a questão é 100% cultural. Existem pelo menos uns 4 países diferentes do Norte ao Sul do país, e isso pra gente é magnífico, queremos passar essa mensagem. A gente sempre vai lutar pra enaltecer as coisas boas que temos aqui.

RR - A banda revisita grandes fórmulas do passado glorioso do thrash (em temas como “Wreckage” e “We're Completly Fucked”), mas com uma roupagem moderna. Será sempre a maravilhosa essência da banda, certo?

JG
- Sim! Quanto a isso não há dúvidas, como dito antes, a gente não quer soar como uma banda que faz mais do mesmo. Existem muitas coisas incríveis que podemos usar hoje em dia e que as pessoas classificam como “moderno”, então juntar isso com as inspirações oitentistas que temos é realmente uma virtude que pretendemos carregar sempre.

RR - Pelo que foi informado no evento de audição para imprensa/produtores, a faixa “No Excuses” foi composta em viola. Como foi a transição para a guitarra e qual diferencial nessa forma de compor?

João Gallo / Guilherme - É verdade! A música foi composta 100% na viola caipira, e o Guilherme precisou “sair da caixa” pra trabalhar nela. Foi algo totalmente diferente compor uma linha de guitarra totalmente livre seguindo uma linha de viola, foi um desafio interessante, mas gostamos bastante do resultado.

RR - Renato Montanha, do Maestrick, gravou o baixo no disco. A banda procura algum integrante fixo para este posto?

JG
- Não, o nosso baixista continua sendo o João Lavinas. Existe hoje uma dificuldade momentânea para que ele esteja presente e, por isso a gravação precisou ser feita pelo Montanha, que fez um trabalho simplesmente absurdo. O fato do Lavinas residir no Rio de Janeiro e cuidar de alguns negócios familiares pode sim gerar algumas dificuldades no momento, mas ele continua como baixista da banda, e caso ele não consiga comparecer para shows ao vivo, nós também temos amigos baixistas que cumprem a função com maestria e podem substituí-lo, como João Pedro Castro (Hardwired Metallica tributo), Felipe Fróes (Asylum) e o próprio Renato Montanha (Maestrick).

RR - Como foi a produção do clipe “Still We Rise”?

JG -
A produção foi simples, queríamos algo com pouca cor e em algum lugar fechado. A parte de encontrar o barracão foi de longe a mais complicada, parece fácil, mas é uma tarefa muito difícil. De todos os clipes que fizemos até hoje, os maiores problemas sempre foram relacionados ao local. O clipe foi dirigido, gravado e editado pelo Arthur Nunes, que também é baixista da Fucknation System of a Down tributo. Foi somente o terceiro clipe que ele gravou, e ficamos super confortáveis com ele, é um cara que tem um baita futuro.

RR - O disco será lançamento de forma independente ou existe contatos com algum selo aqui no Brasil?

JG -
O disco será lançado de forma independente, existem alguns contatos se iniciando, mas nada concreto, pode ser que tenhamos novidades no futuro.

RR - Parece haver uma dificuldade em prensar o disco físico, por conta dos prestadores de serviços dessa área. Como a banda pretende resolver esse impasse.

JG -
Realmente existe uma dificuldade em produzir o CD em mídia física, talvez as conversas com selos que nós iniciamos possam ajudar a resolver esse problema, mas no momento o que estamos fazendo é focar em outras vias de merchan, como mais modelos de camisetas por exemplo.

RR - Sabemos que no Brasil, a grande totalidade das bandas de thrash ainda (e talvez sempre) vivenciam o universo do underground. Como você vê a dimensão da cena thrash hoje em dia no país?

JG -
A cena é simplesmente imensa, temos contatos por todo o Brasil, e a qualidade das bandas também é muito impressionante. É um pouco triste o fato de nem sempre as bandas terem a visibilidade que merecem, pois existem bandas muito boas no Brasil, e não só nas capitais. Nós estamos no noroeste paulista, e só nessa micro região já existe um universo incrível de bandas competentes que tem qualidade para figurar no cenário nacional.

RR - “Still We Rise” transita entre as várias épocas do thrash mundial, mas também detém uma marca bem pessoal da banda. Até onde esse diferencial, em sua visão, pode levar a banda?

JG -
Essa pergunta é muito difícil de ser respondida, pois ao mesmo tempo que os nossos sonhos são gigantes, nossos pés também estão bem seguros no chão. Não posso ser hipócrita e dizer que não espero que esse trabalho e esse diferencial não nos levem a lugares mais altos, festivais relevantes e etc… Pois reconheço o esforço que colocamos e achei o resultado muito incrível. Se eu estivesse de fora, conseguiria enxergar o Order junto com bandas como Crypta, John Wayne, etc… São referências pra nós, estão num degrau que desejamos chegar um dia.

RR - O disco, em minha visão, tem todo potencial pra agradar ao público no exterior. Tem alguma estratégia em vista para essa projeção internacional?

JG -
O fato de sermos 100% independentes no momento gera um pouco de dificuldade para levar o álbum ao grande público do exterior, mas temos estratégias de tráfego que pretendemos colocar na prática e assim, mostrar as 9 músicas para o mundo todo.

RR - Quais músicas do novo álbum a banda tem a intenção de executar ao vivo? Talvez o álbum todo?

JG -
Estamos prontos para tocar o álbum todo! Nós estamos ensaiando todas as músicas do álbum pelo menos desde Julho de 2022. É um álbum rápido em termos de duração, são 40 minutos, então é possível tocá-lo ao na íntegra nos shows. É claro que existem alguns desafios logísticos para músicas com instrumentos acústicos, pretendemos tocar os instrumentos sempre ao vivo, mas mesmo que a estrutura não permita esse tipo de coisa, ainda faremos as músicas mesmo que com o recurso do VS para as partes acústicas, estamos prontos para qualquer cenário.

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