Era um show bastante esperado, com grande público e uma performance elogiada por todos no lançamento do primeiro CD do grupo. Ao final, inventaram uma jam session com amigos e músicos diversos - mas só homens no palco.
A cantora não pesou duas vezes e foi lá garantir o seu lugar. Imponente, nem precisou falar nada. Apenas olhou e assumiu um dos microfones. Ninguém deu um pio. A noite estava ganha.
Karina Menascé ri com certa malícia quando conta a história e completa: "Eu me garanto e posso dizer que dou 'pau' em todo mundo que estava no palco. Cantava mais do que todo mundo e mostrei isso."
Era o lançamento do álbum "Brace For Impact!", da banda Mercy Shot, e a cena de empoderamento da moça foi só mais uma etapa de um processo de consolidação de uma carreira que começou a decolar a partir de setembro de 2021, quando "The Last Rhino", disco da banda Allen Key, foi lançado.
Cantora, pianista, professora de canto e compositora de muitos recursos, Karina é uma das novas vozes do rock pesado brasileiro e dá visibilidade a um movimento que só cresce ao menos desde 2015 - o das garotas e mulheres que assumem a dianteira de um ressurgimento do rock para além de algumas fronteiras do underground.
Desde que o então trio Nervosa, ainda com Fernanda Lira no baixo e vocais, aumentou seu prestígio internacional, os portões se abriram para que a fúria delas avançasse passos largos com Crypta, The Damnnation, Eskröta, Sinaya, Melyra, Vandroya, Aetherea, Weedevil, Lâmmia, Ema Stoned e muitas outras.
Mercy Shot e Allen Key estão na lista e fazem parte da nova onda de mulheres desbravando os palcos e "dividindo" a vocalista - por mais que o termo seja inadequado.
Como diria o técnico de futebol sábio, é problema positivo quando você tem dois craques ou mais para uma posição ou várias. Karina Menascé saboreia a excelente receptividade dos dois discos com sua voz. Os elogios têm sido fartos e os shows, bastante concorridos, por mais que sejam "projetos" distintos.
Allen Key é uma banda mais antiga e é capitaneada por Karina e o parceiro musical Victor Anselmo, que a criaram e a formataram. Faz um metal moderno e agressivo, com guitarras com afinações mais baixas e vocais mais versáteis, sendo que os arranjos de piano são um grande diferencial. É possível identificar ecos de Evanescence, Halestorm e até Nightwish, todas bandas com mulheres musicistas excelentes nos vocais.
Na Mercy Shot a onda é outra. A música transita entre o metal tradicional e o power metal, sem muito espaço para experimentalismos: é rock pesado mais direto, sem tantos arroubos instrumentais, com óbvias influências de Helloween, Blind Guardian e Stratovarius, entre outras bandas. Os vocais de Karina são fortes e têm certa agressividade, mas sem tantas variações.
"Eu consigo virar a chave, são dois projetos distintos, embora consolidados e com prestígio em alta", analisa a cantora. "É maravilhoso ver o retorno positivo diante do nosso esforço e estou fascinada pelos dois grupos."
Diante dos bons resultados, o dilema se aproxima: como conciliar as duas bandas, principalmente quando elas estão se dando bem? "É uma preocupação saborosa, mas não deixa de ser uma preocupação. Só poderei saber como enfrentar eventuais conflitos quando eles aparecerem."
Por enquanto, a Allen Key já tem uma agenda em movimento para final deste ano e começo de 2023, com shows e a finalização de um segundo álbum. Já a Mercy Shot ainda não definiu com antecedência seus próximos passos. "Na Allen Key eu cuido de tudo; na Mercy Shot em sou apenas uma integrante, como os outros. Outras pessoas cuidam de todas as coisas."
Nas composições, vocalista é quem escreveu todas em "The Last Rhino". "São a minha realidade, elas têm um caráter mais pessoal, eu me exponho mais. É quase um livro aberto sobre a minha vida. Basta ler as letras da Allen Key para entender um pouco da minha vida. É meu diário", revela Karina.
Para a Mercy Shot ela também escreveu letras, mas sem tato envolvimento com a parte instrumental. Menos confessionais, os temas abordados são diferentes. "A temática de 'Sink and Thrieve' faz analogia entre o mar sendo a vida, enquanto a capitã da embarcação é a pessoa que declama a poesia da letra. Já o 'monstro' é representado pelas emoções da personagem, que constantemente está tentando 'afundar' a protagonista. Estes elementos estão estampados na capa do single", explicou Karina.
No caso de "Arise", a cantora escreveu a letra em um momento complicado da vida, quando estava passando por muito medo e frustração. "Eu me sentia numa luta constante comigo mesma. Como estava muito triste, quis transmitir isso na letra. É uma música muito forte e é meio como se fosse uma salvação, uma redenção."
Ela celebra a boa exposição que as duas bandas estão tendo e o bom momento das mulheres no rock nacional, embora reconheça que é preciso avançar muito mais.
"Percebo que as coisas estão mais favoráveis, mas vejo muito machismo, misoginia e preconceito em nosso meio", diz Karina. "Não me vejo como uma desbravadora, mas sinto orgulho de poder representar uma série de possibilidades para muitas meninas que querem mergulhar no rock e no metal. Temos de avançar muito, mas quero mostrar que é possível buscar um espaço no mundo roqueiro majoritariamente masculino. Gostaria de ver o dia em que bandas com mulheres não percam oportunidades por causa dessa tipo de preconceito cretino contra as meninas."
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