terça-feira, 1 de junho de 2021

Novo caminho de Rafael Bittencourt é uma boa notícia para o rock nacional

 Marcelo Moreira



A vida de cabeça para baixo e um mundo novo nem um pouco admirável. Se as sucessivas crises econômicas e sociais se agravaram em 2020 com a pandemia de covid-19, sobreviver a elas todas se transformou em uma arte que supera as simples necessidades, algo que vale sobretudo para artistas e para quem trabalha com cultura e entretenimento.

Com todo mundo se virando, o guitarrista Rafael Bittencourt, do líder do Angra, não pensou duas vezes em embarcar num projeto que eventualmente pode desembocar em uma carreira solo que pode ir além do já existe Bittencourt Project.

"Dar as Mãos", ao que se sabe, é a sua primeira composição em português, escrita em parceria com MC Guime, nome forte do hip hop nacional. 

É uma empreitada arriscada para um dos maiores nomes do metal nacional, pois os fãs do gênero mais pesado não costumam receber bem esse tipo de colaboração, por mais que seja cada vez mais comum - Sepultura e seu guitarrista, Andreas Kisser, que o digam, com suas experiências bem-sucedidas que calaram a maioria dos críticos.

A surpreendente decisão de gravar uma canção em português, solo, e em parceria com um rapper é um passo à frente não só artisticamente, mas também para explorar novos mercados e oportunidades em um ambiente degradado por mudanças e abalado por terremotos. 

A nova canção, creditada a Rafael Bittencourt & Exército da Esperança, é um projeto colaborativo que recebeu a adesão de inúmeros outros artistas, indo de Toni Garrido e Carlinhos Brown a Marcello Pompeu (Korzus) e Thiago Bianchi (Noturnall), com presença importante também do próprio MC Guime e dos mais do que amigos da Família Lima.

Claro que houve narizes torcidos, seja pela participação de "alienígenas" ao metal, seja pela letra pop considerada melosa e de "autoajuda". Oportunismo?, Sim, houve quem aventasse essa possibilidade nas redes cada vez mais antissociais.

O que os haters fazem questão de esquecer é que Bittencourt é um ardoroso adepto dos sincretismos musicais. Foi o membro do Angra mais empolgado quando, ao lado do Sepultura e de outros nomes do rock, encarou o carnaval baiano por horas em cima de um trio elétrico a convite de Carlinhos Brown.

No Bittencourt Project existem às pencas as referências musicais aos mais diversos gêneros regionais e nacionais, além de uma vasta gama de influências de world music. Portanto, o músico está em casa e sabe bem o que faz, longe de qualquer oportunismo.

A letra de autoajuda incomoda? É preciso muita falta de empatia para não reconhecer o tamanho da crise que enfrentamos e as manifestações de solidariedade que estão surgindo desde março de 2020, quando a pandemia explodiu.

É uma canção possível dentro das possibilidades que Rafael e Guime tinham diante do esforço para falar de união, solidariedade e resistência sem cair no óbvio ou no piegas. 

O resultado é bem satisfatório e tocante, embora não deixe de resvalar nas colaborações do tipo "We Are the World", que podem, em algum momento, pode soar forçadas. Não é o caso aqui.

Diante de novas experiências, outras possibilidades aparecem no caminho, em um momento difícil sem shows e com a mudança de empresário do Angra. 

Seja por necessidade ou por ambições artísticas, Rafael Bittencourt desbrava um mundo novo que pode ser admirável se os objetivos forem claros e o planejamento tiver em mente a questão artística como prioridade. 

Pode ser algo paralelo e pontual, como faz Andreas Kisser, ou pode se tornar uma fonte inesgotável de possibilidades, como bem fez Pit Passarell, do baixista do Viper, que se tornou um requisitado compositor do pop rock nacional - o Capital Inicial é um de seus maiores clientes.

Ele não vai conseguir se livrar da pecha de "traidor do movimento" para alguns poucos chatos. Deverá conviver bem com isso, como sabiamente fez João Gordo, dos Ratos de Porão. 

A pandemia que devasta o país e tolhe bastante de nossas vidas, em alguns casos, oferece chances interessantes e renderão alguns frutos, quase sempre bons. "Dar as Mãos" é um acerto profissional e descortina um futuro no mínimo interessante para o guitarrista do Angra.



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