quinta-feira, 3 de junho de 2021

Fabiano Negri coloca o artista e o processo criativo como os focos em 'Reborn'

 Marcelo Moreira


A analogia pode soar patética, mas é uma referência quando analisamos a obra de um artista inquieto e sedento por novidades. "Reborn", o álbum completo de Fabiano Negri, é o retrato de um artista enquanto vivo (que nos perdoem os admiradores de James Joyce, autor de "Retrato do Artista Quando Jovem").

O cantor e multi-instrumentista esteve prestes a encerrar uma carreira de 25 anos em 2019 insatisfeito com o retorno que tinha como artista solo, por mais que tenha lançado obras muito interessantes no período, seja com a banda Rei Lagarto, seja em seu trabalhos como solista.

Os arquivos digitais do músico de Campinas (SP) chegaram à Big Can Productions, um selo/gravadora, que se interessou por suas músicas e propôs que retomasse os trabalhos com mais material inédito e autoral. Surgia então "Reborn", um EP com cinco músicas e primeira parte de um álbum completo que teria o mesmo nome.

"Reborn II", o segundo EP, está sendo lançado neste mês com as músicas da primeira parte remixadas. Ou seja, na verdade é o álbum "Reborn" completo. É um trabalho de fôlego, denso e intenso, mas que exala otimismo e esperança diante de dificuldades imensas que todos nós enfrentamos em tempos de pandemia.

Negri é um rato artista adepto da metalinguagem (não no sentido extremo do termo), onde brinca com a própria poesia e com as melodias no sentido de buscar explicação para a sua existência e, ao mesmo tempo, destrinchar o seu próprio processo de criação.

Não é a primeira vez que ele aborda como tema a existência do artista e o próprio processo de composição, criação e exposição de uma obra musical. 

O álbum que pretendia ser o seu epitáfio, "The Foo's Path", de 2019, o melhor de sua ótima carreira, já mostrava suas inquietudes, decepções e batalhas para seguir na carreira artística usando personagens diversos. 

Como prosseguir em um mundo compartimentalizado, pulverizado e disperso, onde artistas underground sofrem com o desinteresse e a feroz disputa por migalhas de atenção na era da ultrainformação e velocidade supersônica da própria vida?

"Reborn" aborda as mesmas preocupações e anseios, mas de uma outra perspectiva. O artista renasce, como sugere o título, mas não necessariamente é uma redenção. 

Diante da decisão de prosseguir e perseverar, é necessário redescobrir a trilha supostamente correta ou arriscar or novos caminhos que certamente são muito mais perigosos e desconhecidos. 

De certa forma, os novos desafios estão intimamente ligados aos anteriores. As dificuldades são as mesmas, assim como os dilemas. 

Como superá-los e como evitar que o "gás" acabe e o leve ao mesmo desânimo que quase abreviou a carreira de um dos músicos mais interessantes da cena roqueira brasileira?

Estudioso da música e apreciador do melhor do classic rock, Negri optou por uma sonoridade mais "vintage", especialmente na segunda metade do disco.  Tudo é muito simples, mas com arranjos de extremo bom gosto e boas soluções melódicas., algo surpreendente para um trabalho onde o artista compôs tudo, tocou tudo e produziu tudo.

Se a canção "Sad Clown" é o carro-chefe de "Reborn", a profética e pesada "Moth" mostra todas as armas do talentoso músico, explorando bem várias camadas de guitarras e violões e uma boa performance de bateria.

"Naked Blues" é um interlúdio interessante com seu climão setentista, antecipando de forma bacana a dram,ática e intensa "A Hidden Life", que mescla todas as influências de Negri, indo de Deep Purple a David Bowie. 

Não é uma obra de fácil assimilação, e certamente Negri não o fez de forma consciente. "Reborn" aposta na reflexão e na capacidade do artista de se comunicar de várias formas com seu público e de estimulá-lo a discutir e pensar naquilo que está sendo executado. 

Exímio lapidador de melodias e hábil com as letras em inglês, teceu uma bela peça orientada para a guitarra e pra arranjos mais sofisticados. O resultado é plenamente satisfatório e ganha muitos pontos ao mudar para um foco mais otimista e esperançoso em relação ao trabalho anterior. 

Negri é um artista raro dentro do rock nacional pela qualidade da música que cria e pelas reflexões que propõem a respeito do próprio trabalho artístico. A gravadora americana nos fez um favor ao apostar em seu talento.


São muitas as reflexões contidas em apenas pouco mais de 40 minutos de som de qualidade. Ele não busca respostas simples, e nem espera encontrá-las, mas sente a necessidade de discutir e debater os limites do trabalho criativo e o espaço que busca para encontrar algum reconhecimento. O quanto de reconhecimento é suficiente? "The Fool's Path" deixou algumas dessas questões em aberto.

"Sad Clown", o primeiro single da segunda parte, talvez seja o melhor resumo do novo álbum. Marionete manipulada conscientemente para mergulhar em seguida na tristeza de uma existência frustrante? Mas o próprio processo de criação não basta para enaltecer o nobre ofício?

A música traz uma interpretação angustiada e dramática de Negri, que toca todos os instrumentos e brilha nos solos de guitarras em seu momento hard rock. É o clímax do conceito, embora o trabalho esteja longe de ser considerado uma ópera-rock. Discutir o processo criativo e seus impactos são a questão em "Reborn II" e em "Reborn" como um todo.


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