segunda-feira, 24 de maio de 2021

Bob Dylan chega aos 80 anos elevando o rock a uma suprema forma de arte

Marcelo Moreira

Bob Dylan (FOTO: DIVULGAÇÃO)



Nem nos melhores sonhos de quem gosta de rock a cena era factível: um roqueiro ganhando o Prêmio Nobel de Literatura, o honraria máxima da humanidade para os feitos nas principais áreas do conhecimento. 

Se havia alguém que insistia em não reconhecer o rock como manifestação artística relevante, o prêmio dado a Bob Dylan destrói qualquer argumento nesse sentido. 

No entanto, não há como não observar o grande paradoxo que a Academia Sueca levantou ao premiar o bardo de Minnesota: contestador, rebelde e libertário, o rock acaba, de certa forma, "cooptado" pelo sistema por meio de uma premiação de caráter conservador (ao menos em sua essência).

Bob Dylan chega aos 80 anos de idade como o músico que melhor soube expressar uma visão de mundo de uma geração marcada pelo pós-guerra, ao mesmo tempo em que, de longe, se tornava o melhor cronista do cotidiano. É diferenciado até mesmo quando fala de amor e de trivialidades. 

Mesmo seus trabalhos pouco inspirados se destacam pelas letras bem feitas, bem construídas e até mesmo surpreendentes. 

Embora a qualidade lírica seja uma de suas características, teve de ser lapidada no Greenwich Village, em Nova York, no início dos anos 60, quando era um músico folk que começava a se destacar.

Sua poesia argumentativa remetia aos melhores momentos de Woody Guthrie, um dos maiores nomes do folk norte-americano, mas Dylan chamava a atenção pela contundência dos versos e pela força de rimas que surgiam como tapas na cara de uma audiência estupefata. 

Se as comparações com o alemão Bertolt Brecht eram pertinentes por um lado, de outro soam fora de contexto, já que a habilidade de Dylan para construir e juntar e poesia e música extrapolaram e extrapolam qualquer expectativa. 

Dentro do rock, provavelmente apenas Pete Townshend (The Who) e Neil Young conseguem ombrear Dylan – e somente até certo ponto – em qualidade de letras.

Soberbo e supremo, Bob Dylan uniu as melhores qualidades dos dois mundos – rock e literatura – para criar uma arte estupenda. Conseguiu aliar a rebeldia, a fúria e a ânsia libertária com a mais alta qualidade poética para fazer o rock arrombar os portões dos salões eruditos do Prêmio Nobel.

Ele empurrou o rock para um de seus degraus mais altos e fez do paradoxo o grande combustível para impulsionar o gênero para o patamar máximo das artes.  

Buscar comparações com mestres da escrita soa indevido também diante da extraordinária capacidade de descrição e de criação de imagens em versos tão concisos. Seria comparável ao gênio Walt Whitman?  Ou a Ezra Pound?

Suas colagens sonoras são tão intensas e reais e uma de suas músicas, a icônica "Like a Rolling Stone" virou livro graças à pena tortuosa e insinuante do jornalista americano Greil Marcus. Casava letra e música de forma impecável, criando histórias, contos ou simples poesia em igual. 

Não gostava de ser chamado de bardo, mas assumia o posto como um soldado consciente de suas obrigações. E então empunhava a bandeira de Peter Seeger, Woody Guhrie e Arlo Guthrie, espantando fascistas, fascinando amantes, lavando a alma de quem queria escutar a mensagem certa e certeira.

Se fosse inglês, Dylan seria sir, ou membro do império britânico (MBE, uma comenda importante no Reino Unido). Uma distinção, sem dúvida, mas que teria pouco valor para ele. Nem mesmo o Nobel é uma honraria suficiente para conter a sua genialidade. Que sua música e seus versos falem por si.

Nenhum comentário:

Postar um comentário