quarta-feira, 12 de maio de 2021

O abandono das áreas artística e cultural impacta diretamente em nossas vidas

Marcelo Moreira



Onde está o dinheiro prometido para o setor de cultura e entretenimento? E os vários anúncios de editais e liberação de recursos frequentemente anunciados, mais de uma vez, pelo governo do Estado de São Paulo e pela Prefeitura de São Paulo? 

Enquanto a penúria se espalha pelo setor e músicos e artistas precisam vender o que têm ou procurar um bico, as autoridades ignoram a situação e não fazem nenhum esforço para liberar o dinheiro ou destravar a burocracia que impede o acesso de pessoas desesperadas ao acesso ao dinheiro.

De alguma forma, as dificuldades são tantas que parece que os obstáculos são deliberados, de forma a dor e o desespero de gente sem recursos.

São várias e várias as denúncias de desvio de finalidade e travamento de recursos da Lei Aldir Blanc, que deveria fazer chegar dinheiro aos profissionais da área de entretenimento sem trabalho. 

Em São Paulo, são inúmeras as reclamações sobre as dificuldades de ter acesso aos recursos aos editais já anunciados pelo secretário de Cultura, Sergio Sá Leitão.

Diante desse quadro desolador e da pressão do setor, o governo estadual anunciou a liberação de R$ 180 milhões em projetos culturais destinados a 9.340 projetos de artistas, produtores culturais e prefeituras que vão ser selecionados por chamadas públicas e curadorias independentes.  

Os problemas são sempre os mesmos: quais são os critérios para a liberação? Quando o dinheiro será liberado? A burocracia será simplificada? Nada disso foi esclarecido. Por enquanto, não passa de uma propaganda enganosa.

De acordo com o comunicado do governo estadual, "o objetivo do governo é estimular a retomada das atividades culturais e criativas, que foram fortemente impactadas pela pandemia do novo coronavírus. A expectativa da Secretaria de Cultura e Economia Criativa é gerar até 138 mil postos de trabalho e um impacto econômico de R$ 300 milhões". Leia mais aqui.

O palavrório é bonito, mas não atende às necessidades imediatas das classes envolvidas, que ainda cobram, das autoridades sanitárias paulistas definições mais claras a respeito das regras de flexibilização do combate à pandemia de covid-19.

Os questionamentos giram em torno das permissões para reabertura de shoppings, parques, comércio, mas nada específico a respeito de eventos culturais com público. Teatros e cinemas podem reabrir com público, mas com capacidade limitada a 30% de ocupação. 

Entretanto, do jeito largado em que as coisas foram anunciadas, praticamente não se fala a respeito de shows musicais, que teoricamente continuam vedados por conta de outras restrições. Quem faz música e vive de música está completamente desamparado.

O setor teve muitas perdas financeiras. As estimativas apontam para uma representação de 13% do Produto Interno Brasileiro (PIB), com cerca de 60 mil empresas ligadas diretamente ao segmento.

Segundo o Sebrae, o setor teve um prejuízo de R$ 270 bilhões, apenas entre março e dezembro de 2020, com o cancelamento de cerca de 98% dos eventos. Isso sem contar o setor do turismo, também devastado pela crise econômica provocada pela pandemia. Segundo a Associação Brasileira de Hotelaria, 90 hotéis fecharam desde março de 2020 no Rio de Janeiro; em São Paulo, foram 39.

Segundo a estudiosa na área e professora da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) Tânia Teixeira Pinto, a volta dos eventos presenciais será gradativa, respeitando as normas de segurança.

"O retorno deve iniciar em formatos menores quando estivermos livres desta pandemia. Estamos reprimindo nossas relações pessoais: os seres humanos são sociais, precisam de pessoas e de confraternização, os eventos proporcionam isso e voltarão mais fortes, para atender à necessidade das pessoas", diz a professora.

A dificuldade é determinar em que condições haverá esse retorno. Em um mercado ainda mais degradado, que tipo de negócio emergirá dos escombros. Sem qualquer ajuda governamental, será quase impossível reerguer qualquer circuito de shows.

 Tânia Pinto afirma que eventos como shows representam experiência e sensações. Por isso, as lives, que ficaram tão populares, como forma de aproximar as pessoas durante o distanciamento social, devem perder força.

"O online não substitui como as pessoas se sentem. Um happy hour virtual, por exemplo, não é igual ao encontro presencial, sempre tem alguém rindo atrasado de uma piada por causa do delay da conexão da internet. Um show em formato live tem a mesma sensação de assistir a um show gravado na TV, é ok, mas não tem cheiro, emoção, suor, pessoas, gargalhadas. Não é igual. Este está sendo o grande aprendizado, eventos são e envolvem pessoas e sensações, é sensorial, não dá para ser à distância."

Contudo, segundo a especialista, as lives serão usadas para os fãs assistirem seus ídolos à distância.

"Os grandes nomes da música, certamente, vão usar o híbrido para aquelas pessoas que estão longe e, também, para mostrar como que aqueles fãs que estão presentes se divertem muito mais, divulgando e criando necessidade naqueles que não puderam estar presencialmente.".

Todas as áreas estão paradas, mesmo os shows que foram substituídos pelas lives, tiveram um retorno financeiro muito abaixo do esperado.

Eventos corporativos foram substituídos por reuniões virtuais e, em alguns casos, com a locação de estúdios para transmissão de um ou mais palestrantes. Antes, um evento corporativo que alugava um espaço de 1.000 m² quadrados e uma equipe de 100 pessoas, agora conta com um estúdio de 50 m² e uma equipe de 10 pessoas.

"O Brasil, antes da pandemia, era um dos países que mais realizavam e promoviam eventos no mundo. Aqui, temos as melhores e mais capacitadas empresas e profissionais do setor. Sem dúvida alguma, estamos preparados para qualquer tipo de evento, não tenho dúvida alguma", finaliza.

Portanto, está claro que o mundo do entretenimento não pode ter uma existência online - não é sustentável do ponto de vista econômico e não faz sentido no estrito sentido artístico. 

Como foi a primeira área a ser impactada e certamente será a última a ser resgatada, precisa de um olhar mais atento do poder público por envolver uma cadeia numerosa de trabalhadores e prestadores de serviços. Com o rótulo de área não essencial, vai continuar sofrendo com  descaso das autoridades e a indiferença atual do público.
 
 

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