quinta-feira, 13 de maio de 2021

Edu Falaschi mergulha na história em 'Vera Cruz, uma ousada ópera-rock

 Marcelo Moreira 




Uma obra tendo o Brasil como personagem principal. Já vimos isso algumas poucas vezes na música nacional, sendo que no exemplo mais bem-sucedido no rock tenha sido "Holy Land", do Angra, lançado em 1996. 

Vinte e cinco anos depois, surge uma obra que se equipara na abordagem e na qualidade - curiosamente, de autoria de alguém que está intimamente ligado ao próprio Angra. É mera referência ou mais uma cópia, ao estilo Greta Van Fleet/Led Zeppelin?

Nada mais equivocado. "Vera Cruz", o disco que é considerado o primeiro trabalho solo autoral e inédito do cantor Edu Falaschi, guarda algumas semelhanças, mas é um avanço e tanto em relação à obra-prima do Angra. É um dos grandes trabalhos já realizados no rock pesado brasileiro.

Falaschi substituiu Andre Matos no Angra em 2000 e canto na banda por 12 anos. Conhece intimamente "Holy Land" e todos os conceitos que fizeram de discos como "Temple of Shadows", "Acqua", "Rebirth" e "Aurora Consurgens" obras de referência mundiais. 

Sua voz e suas composições são partes indissociáveis do som do Angra. Não é surpreendente que resquícios (na verdade, são muito mais do que resquícios) do Angra  respinguem por seus trabalhos solos ou em sua banda Almah, agora adormecida.

"Vera Cruz", em muitos aspectos, é o disco que o Angra poderia ter feito desde que Andre Matos saiu, em 2000, e certamente com Falaschi nos vocais. os caminhos de seu conceito levam, de alguma forma, a "Holy Land"; por outro lado, são muito mais do que uma associação, já que vai muito além.

O Brasil é personagem principal e domina o novo trabalho, em termos líricos e literários, de uma forma jamais imaginada em nosso rock. É um avanço e tanto em relação à obra de 25 anos atrás.

Por conhecer bastante o que o Angra fez em "Holy Land", Edu Falaschi teve a sabedoria de trilhar outras praias para conceber a história de aventura, paixão e descobertas em "Vera Cruz". 

Com a preciosa ajuda de Fabio Caldeira (Maestrick) para desenvolver a história, conduziu "Vera Cruz" para uma área mais dramática e complexa, tendo a antiga obra do Angra, talvez, como ponto de partida. O resultado é soberbo e é um nítido avanço, em termos literários, a "Holy Land".

"O álbum tem esse DNA do que eu compunha com o Angra. É natural, porque é o mesmo compositor. É o cara que compôs ‘Nova Era’, ‘Spread Your Fire’, ‘Angels and Demons’, ‘Heroes of Sand’, ‘Bleeding Heart’, ‘Wishing Well’, ‘The Course of Nature’ e aí vai. É a linguagem de cada um. A bateria do Aquiles fala muito alto, a voz dá a cara de uma música, então é natural", declarou o cantor em entrevista ao portal Whiplash.

Aquiles Priester, o baterista que figura sempre entre os melhores do mundo, é parte indissociável do projeto. Voltou a colaborar do Falaschi, ex-companheiro de Angra, há quatro anos e foi parte decisiva para a criação do projeto "Vera Cruz". Difícil extirpar qualquer aspecto da ex-banda dos dois.

Como ópera-rock, o disco segue os padrões estabelecidos desde sempre por "Tommy" e "Quadrophenia", do Who, e "Arthur", dos Kinks. Apresentação, desenvolvimento, clímax e gran finale, bem de acordo com o que estamos acostumados nas peças de origem italiana, nos teatros de Milão e Turim, ou mesmo Nova York.

Edu Falaschi (terceiro da esq. para a dir.) e a banda atual que o acompanha (FOTO: ZÉ CINTRA/DIVULGAÇÃO)

A execução dos temas é exuberante, como em "Land Ahoy", talvez a mais épica do álbum, com sua orquestração que toma conta de todos os "buracos" e arranjos de violão que remetem ao que de mais estupendo foi produzido na música brasileira.

"Sea of Uncertainties" é o tributo necessário ao power metal, com sua pegada veloz e um tom mais agressivo no canto. Impossível não fazer qualquer associação com o Angra ou mesmo com algumas passagens da primeira formação do Shaman. Tem ritmo contagiante e um força que só reforça a exuberância do material.

"The Ancestry" e "Bonfire of the Vanities" são outros destaques, com arranjos sofisticados de guitarra e de orquestração, o que evidencia os trabalhos de produção de Thiago Bianchi (vocalista da banda Noturnall) e de Dennis Ward, norte-americano que vive ha muitos anos na Alemanha. 

Também são dos dois os méritos pela bateria de Priester soar tão majestosa, algo mito necessário diante do conceito e proposta do álbum. 

Na parte que surpreende em "Vera Cruz", temos as duas participações especiais. Max Cavalera (Soulfly e ex-Sepultura) acrescenta o dinamismo e a agressividade parte da história solicita e mostra que a canção "Face of the Storm" não poderia existir sem ele. 

Curiosamente, Max participa de uma obra com DNA do Angra, uma banda que sempre mereceu o seu desprezo e o de seu irmão, Iggor Cavalera. 

O belo encerramento, "Rainha do Luar", foi uma ideia muito arriscada, mas bem sacada, com a participação de Elba Ramalho. Toque perfeito de brasilidade e de delicadeza que o momento da história narrada pedia.

"Vera Cruz" reúne doses exageradas de talento e qualidade, coisas raras atualmente no rock. Transita com inteligência entre o  progressivo e o heavy metal entremeando passagens com a rica música brasileira, em bom equilíbrio necessário para sustentar a obra. 

Em tempos sombrios de pouca esperança e desilusão, é um trabalho redentor que reativa o otimismo e a fé de que a arte e a música são instrumentos de superação e de iluminação do futuro.

Conceito - O argumento concebido por Edu Falaschi e Fabio Caldeira, "‘Vera Cruz’ tem como ponto de partida a cidade portuguesa de Tomar. Em 1482, uma criança deixada na porta de um convento desperta a curiosidade de todos devido a uma peculiaridade: uma marca de nascença que, séculos antes, foi mencionada em uma misteriosa profecia sobre a extinção da maléfica Ordem da Cruz de Nero. É a partir dessa característica que a história de ‘Vera Cruz’ se desdobra e apresenta Jorge, o portador da marca, que cresceu sob os cuidados da igreja e cheio de dúvidas: afinal, que mensagens os pesadelos tão presentes em suas noites querem passar? Prestes a desbravar os mares, Jorge se depara com dilemas sobre sua identidade, missão, amor, amizade e intrigas. Feita a partir de elementos históricos e de ficção misturados, ‘Vera Cruz’ é, principalmente, uma história sobre maniqueísmo, relações humanas, amor e ódio. Feito a partir de pesquisas na literatura da época para garantir fidelidade à ambientação do romance, ‘Vera Cruz’ tem seu ápice em terras brasileiras, com Jorge adulto e integrante da esquadra do mestre da Ordem de Cristo, Pedro Álvares Cabral."

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