quinta-feira, 27 de maio de 2021

Um choque elétrico encerrou a trajetória de Keith Relf, dos Yardbirds, há 45 anos

 Marcelo Moreira


Não há como fugir do fato mais óbvio: os Yardbirds ficaram historicamente conhecidos pela paixão pelo blues americano, por suas interpretações viscerais e pela trinca de mestres da guitarra que passaram pela banda - Eric Clapton. Jeff Beck e Jimmy Page. Entretanto, o seu vocalista é que foi a figura fundamental para manter a unidade precária do grupo.

Keith Relf era um músico raçudo, que não era um grande cantor, mas compensava com uma vontade de se triunfar na música. Meio irascível e intolerante, gostava de posar como o líder de um grupo que vivia no limite em tudo. 

Há 45 anos Relf morreu vítima de um acidente estúpido - foi eletrocutado no porão de casa quando tocava guitarra. Tinha apenas 33 anos de idade.

Relf se tornou um músico emblemático porque provou que podia cantar e fazer sucesso. Apaixonado pelo blues, criou os Yardbirds antes de completar 20 anos de idade e, desinibido e despachado, invadiu os clubes de jazz de Londres em busca de jam sessions e buracos para encaixar a sua banda de moleques.

Apesar dos narizes torcidos, fez amizade com músicos importantes e conseguia canjas com sua gaita meio esgarçada e seu vocal rouco e sem técnica. Logo estava nos programas dos principais clubes com seus Yardbirds.

O grupo chamava a atenção porque eram todos moleques, mas o guitarrista Anthony "Top" Topham tinha apernas 16 anos de idade, o que era uma fonte de problemas com a fiscalização. 

A providência fez com que um rapaz de 18 anos e exímio instrumentista aparecesse ao mesmo tempo em que Top era pressionado pela família a terminar ao menos os estudos e abandonar a noite. 

Não houve traumas na dispensa do adolescente, tramada por Relf e pelo baterista Jim McCarty. E então Eric Clapton estreou nos Yardbirds naquele ano de 1963 e forjou a sonoridade blueseira que era a marca registrada dos Yardbirds, que era a banda preferida dos astros do blues dos Estados Unidos que chegavam ao Reino Unido sozinhos para tocar.

Mesmo gostando de posar como líder, Relf teve a sabedoria de entender quem realmente tinha de brilhar. Sabia que não era um grande vocalista, mas sabia marcar posição para mostrar que era importante e que tinha de ser respeitado.

Os Yardbirds era um nome consagrado no circuito alternativo de blues e jazz, mas precisava dar um passo à frente para ganhar as paradas e dinheiro. Precisavam cair de cabeça no rock e no pop e a música tinha de mudar e ficar mais acessível. 

E foi Relf, em articulação com o empresário Giorgio Gomeslky, que forçou a mudança de estilo com o apoio de todos, menos o de Clapton, que já manifestava insatisfação no começo de 1965. Era purista demais para aceitar fazer música acessível e descartável.

O guitarrista aceitou tocar "For Your Love", mas pediu demissão assim que as gravações terminaram. A banda tinha o seu sucesso, mas estava sem guitarrista. Para Relf, não era um grande problema, pois sonhava em ter na banda o amigo Jimmy Page, músico de estúdio requisitado e exímio.

Page ganhava bem no estúdio e indicou um amigo tão bom quanto ele, Jeff Beck, da banda The Tridents. E então os Yardbirds viveram o seu auge entre 1965 e 1966, tocando nos Estados Unidos e na Europa, além de lançar diversos compactos de sucesso.

Alguns livros sobre a banda dizem que o cantor foi o pivô da saída do baixista Paul Samwell-Smith em meados de 1966, abrindo as portas para o amigo Page finalmente sentir o gosto de tocar em uma banda de prestígio. 

Em apenas um mês de banda, ficou claro que Page era músico demais e que Chris Dreja, o guitarra base, penava para fazer o que novato fazia brincando. Trocaram de instrumentos e a banda passou a ter dois ases nas seis cordas, mas não por muito tempo. 

Jeff Beck estava ainda mais insatisfeito do que Clapton com a banda e com a música que tocava e surtou em uma turnê americana no final de 1966, deixando todo o trabalho para Page. 

Como quarteto, os Yardbirds cairiam na psicodelia e Jimmy Page, ao lado do novo empresário, Peter Grant, assumiria a liderança em todos os sentidos diante de um Keith Relf apático e mergulhado em vícios.

Apesar de ser uma fase criativa, a banda mergulhava na decadência até implodir em março de 1968, com a debandada geral. Page e Grant ficaram com um nome e umas poucas datas para cumprir. Naquele ano, ma nova formação daria origem ao Led Zeppelin.

Relf renegou a banda tão amada e decidiu abraçar a folk music ao lado da irmã, Jane. Criou o Renaissance, que teve como baterista o amigo McCarty, dos Yardbirds, e saboreou um raro período de prestígio musical com a crítica, mas logo se desencantou. E nunca mais acertou os passos, ficando praticamente no underground a partir de então ao tocar e produzir o Medicine Head e integrar o fracassado Armageddon.

Keith Relf é um dos grandes nomes quase esquecidos do período dourado do rock britânico. Sem ele não existiriam os Yardbirds.

**Agradecimento especial ao amigo Bento Araújo, do PoeiraZine e dos livros "Lindos Sonhos Delirantes", pela dica de pauta.


Nenhum comentário:

Postar um comentário