quinta-feira, 13 de maio de 2021

Conflito entre israelenses e palestinos resgata a impertinência de Roger Waters

 Marcelo Moreira

A reportagem da TV brasileira não se preocupou com isenção. Ao descrever as "dificuldades" que os israelenses com a "chuva de foguetes do Hamas", tendo de ficar em constante estado de atenção e procurar abrigos, o faz demonstrando bastante compaixão, enquanto que palestinos da Faixa de Gaza são brindados com mísseis com altíssimo poder destrutivo e têm de lidar com a ameaça de invasão. 

Nas imagens seguintes, bairros inteiros em Gaza aparecem pulverizados. São mais de 100 mortos, apenas oito israelenses, em uma brutal desproporção. 

Nada demais para aquela região, naquele eterno conflito entre israelenses e palestinos, em que estes, sempre em desvantagem militar e financeira, são massacrados pelo estado vizinho opressor, seja qual for o governo, de esquerda ou de direita.

Ou seja, o mesmo de sempre. E tomemos então nova saraivada de protestos de Roger Waters, ex-baixista do Pink Floyd e ativista ferrenho da causa palestina desde sempre.

Aos 78 anos, mostrou-se mais uma vez indignado com a ação terrorista do governo israelense de inspiração fascista na pessoa do primeiro-ministro Benyamin Netanyahu.

Os piores conflitos desde 2014 ocorrem por conta de uma decisão auoritária e desastrada do governo israelense de desapropriar centenas de imóveis na área oriental de Jerusalém, o que provocaria o deslocamento compulsório de muitas famílias árabes, a maioria de palestinos. É óbvio que mais essa provocação asquerosa levaria a uma reação violenta.

Netanyahu afirma que não abre mão das desapropriações e que os "novos imóveis" se destinam a judeus israelenses como forma de consolidar a cidade sagrada como a verdadeira capital de Israel, algo também reivindicado pelos palestinos. 

A piora dos combates e dos protestos pode expandir a crise para outros países vizinhos. O premiê israelense ainda se fia na proteção e apoio históricos dos Estados Unidos, algo que já não é tão certo com o novo presidente americano, Joe Biden.

O líder americano, aliás, foi duramente cobrado por Roger Waters em pelo menos duas entrevistas a emissoras de TV britânicas. O músico cobrou Biden para que assuma as posições progressistas também na área de relações exteriores e que aja para encerrar os conflitos na Palestina e para conter a política violenta de Israel contra os palestinos.

Esquerdista notório, mas acima de tudo um ativista dos direitos humanos e da democracia, Waters se indispôs com muitos músicos e artistas em geral ao pregar um boicote generalizado contra o Estado de Israel. Critica sem piedade artistas que se apresentam no país e faz campanha para que músicos cancelem shows no país.

Recentemente, Caetano Veloso e Gilberto Gil receberam mensagens públicas de Waters para que reconsiderassem a realização de apresentações em Tel-Aviv, até pouco tempo atrás a capital administrativa de Israel. 

Roger Waters (FOTO: DIVULGAÇÃO)

Os brasileiros primeiro ignoraram os apelos, mas depois responderam, sem muita convicção, que a arte estava acima dos problemas políticos e que os fãs que têm pelo mundo não podem ser penalizados pelas contendas e posicionamentos de governos transitórios.

O ativismo de Waters incomoda justamente pela insistência e pelo peso que seu nome têm dentro do entretenimento internacional. Costuma ser ouvido mesmo por adversários políticos, que respeitam a sua militância.

Quem não se lembra dos shows em São Paulo, em 2018, quando irritou extremistas de direita e fascistas que apoiavam o autoritário candidato Jair Bolsonaro ao colocar o nome deste em uma lista de políticos a serem combatidos por simpatias ao fascismo?

O ativismo do ex-Pink Floyd é legítimo e louvável em um segmento econômico-cultural em que poucos se posicionam de forma tão contundente. Antes de esquerdista, é um pacifista, apaixonado pela liberdade e pela democracia. 

Nunca é demais lembrar que o pai dele, Eric Fletcher Waters, era um oficial britânico do exército que lutou contra os nazistas na II Guerra Mundial. Morreu em 1944 na praia de Anzio, na Itália, poucos meses após o nascimento do filho George Roger Waters. Isso impactou profundamente o garoto, que jurou sempre combater a tirania e o fascismo.

Se a perseverança do ex-Pink Floyd é louvável, por outro lado a sua insistência esbarra na impertinência e, em alguns casos, na falta de respeito, o que ocorreu quando tentou demover Caetano e Gil de tocar em Israel, em 2015.

Tronou-se um chato, sem dúvida. Que defenda os seus pontos de vista, polêmicos ou não, é um direito inalienável, mas se tornar impertinente a ponto de ver o respeito que adquiriu ser substituído pelo enfado e pelo tédio, para ser generoso, não é uma boa ideia para um artista de tal porte. 

Que ele tenha feito o pedido de boicote em carta aberta aos músicos brasileiros faz parte do jogo político, mas insistir no tema, desrespeitando as decisões dos artistas, não só é impertinente, mas é de uma extrema grosseria. 

Ninguém é obrigado a concordar com os pontos de vista anti-israelense de Waters, ou mesmo a ter algum tipo de opinião política pública. O boicote é legítimo, assim como a realização dos shows.

Steven Wilson, ex-Porcupine Tree, que tem ligações profundas com músicos israelenses - participa da banda Blackfield com músicos locais - definiu bem a questão quando respondeu a uma das intervenções de Waters psra que abandonasse os planos de ir a Israel: "O poder da música é muito superior ao da política e do ódio".

Assim como Waters, o Combate Rock condena veementemente as políticas de confronto e de exclusão dos palestinos encampadas pelos governos israelenses, tanto de esquerda como de direita. 

Se consideramos indiscutível o direito de existência de Israel, deploramos duramente o tratamento dispensado aos palestinos na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, considerados cidadãos de segunda classe e condenados a viver sempre na pobreza e em condições de vida absurdas, e tudo com o apoio dos Estados Unidos e o beneplácito da comunidade internacional.

A reação dos palestinos diante das arbitrariedades das desapropriações em Jerusalém Oriental é perfeitamente compreensível e o uso desproporcional da força torna o exército israelense uma força opressora e assassina.

Ainda assim, a legítima campanha de boicote e de apoio aos palestinos de Roger Waters não pode invadir o terreno da impertinência e da falta de respeito, já que corre o risco de perder a simpatia e o apoio em prol de sua causa.

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